O motorista de matérias perigosas
A Vanessa agora anda com um motorista de matérias perigosas que é do PS. Diz que a greve é para forçar a maioria absoluta. Obviamente, está maluca.
E então a Vanessa conheceu um gajo que não sabia se era ou não era namorado. É normal ter estas dúvidas na adolescência, nos vintes, durante a crise dos 40, mas depois tudo começa a tornar-se um bocado patético.
Quando ela me convidou formalmente para jantar com o objectivo principal de transmitir “que tinha conhecido um gajo que não sabia se era ou não namorado”, tive de disfarçar o enfado. Eu conheço a Vanessa desde o tempo da faculdade, assisti a dezenas de cenas destas e já não aguento. Estive lá sempre, nos casamentos, nos divórcios, nos enamoramentos, nos reenamoramentos, nos desenamoramentos. Fiz tudo by the book, disse tudo que se deve dizer nas respectivas ocasiões — “ele não te merece” é uma frase muito estúpida e inútil e no entanto repetimo-la achando que há ali alguma redenção. Não há.
Agora estou esgotada. A minha adolescência aconteceu há muito tempo. Perdi a pachorra. Não sou um livro de auto-ajuda.
— Mas quem é esse gajo?
— É um motorista de matérias perigosas.
— Mas onde foste tu conhecer um motorista de matérias perigosas?
— Não digo.
— Foi no Tinder?
— Eu já te disse que ainda não voltei ao Tinder.
— Mas é assim tão difícil dizer como o conheceste?
— Não me apetece, pronto. Não tens nada que ver com isso. Eu é que sei da minha vida.
Começou a doer-me a cabeça. Infelizmente para mim — e isto é real e não ficcionado para esta coluna, como muitas outras coisas — tenho sintomas físicos de cada vez que estou a apanhar uma grande seca. Por acaso, nunca falei disso a nenhum médico. Se puder, evito falar com médicos que me dão pavor (tirando tu, Gucha). Mas acredito que estas dores leves, mas incómodas, correspondam a um distúrbio ainda mal conhecido da ciência a que se poderia chamar “transtorno da maçadoria épica”. Mas lá fiz a pergunta da praxe:
— Então e esse motorista de matérias perigosas com quem tu andas acha que vai haver greve? Ou vão desconvocar?
— Vai haver. Era mesmo por isso que eu queria falar contigo.
— Mas o que se passa?
— É que este motorista com quem eu ando é do PS. Eles têm lá um grupo de infiltrados socialistas para forçar a greve. A ideia é criar um ambiente favorável à maioria absoluta do PS. ‘Tás a ver? Há greve e o Costa aparece a falar com voz grossa e as pessoas pensam que ele é o Cavaco dos anos 1980/1990 e dão-lhe, como deram ao outro, a maioria absoluta. Isto é mesmo grave não é?
A Vanessa já tinha bebido meia garrafa de tinto. Eu decretei os meus próprios serviços mínimos para aguentar o resto da noite.