Provedora de Justiça critica “consulta de bairro” sobre chegada da EMEL a Benfica

Tal como tinha criticado a junta de Campolide há uns anos, a Provedoria diz que os poderes públicos têm de actuar dentro da legalidade. Autarca discorda da interpretação.

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Nuno Ferreira Santos

A Provedoria de Justiça diz que foi ilegal a “consulta de bairro” organizada pela Junta de Freguesia de Benfica para autorizar a entrada da EMEL numa parte da freguesia. Num ofício emitido há poucos dias, a provedora-adjunta Teresa Anjinho pede à junta “que se abstenha” de fazer mais consultas deste tipo.

Durante a “consulta de bairro”, realizada em Janeiro, moradores de algumas ruas em redor do Fonte Nova foram chamados a pronunciar-se sobre a tarifação de estacionamento naquela zona. O “sim” ganhou e a Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL) chegou pouco depois à freguesia, até então ainda sem parquímetros. Desde então a junta já realizou mais uma “consulta de bairro” sobre o mesmo assunto, noutro local.

Para a Provedoria de Justiça, a junta “não dispõe de liberdade para configurar consultas à população, estando para o efeito vinculados ao disposto na Constituição e na lei”. Isto é, “a dita iniciativa teria de se enquadrar ou na figura da participação popular ou na de referendo local”, previstas na lei. “Importa ter presente que os poderes públicos não dispõem de liberdade para configurar consultas à população como se não estivessem subordinadas ao princípio da legalidade”, escreve Teresa Anjinho.

À Provedoria, a junta liderada por Inês Drummond argumentou que a consulta era “uma auscultação meramente informal dos moradores directamente visados” e destinava-se “apenas a habilitar [a junta] à tomada de posição acerca da implementação do pagamento de tarifas de estacionamento” naquela zona.

A autarca diz ao PÚBLICO que discorda do entendimento da Provedoria. “Temos feito muitas consultas à população e esta foi apenas mais uma”, diz Inês Drummond, referindo que durante os seus mandatos já houve reuniões com votação de braço no ar, orçamentos participativos, reuniões com moradores no meio de ruas em obras. “Não faz sentido dizer que fomos eleitos, temos de decidir e não ouvimos os moradores. Estas formas de ouvir a população são o que nos aproxima dos eleitores”, argumenta a autarca.

Para além de pôr em causa o mecanismo em si, a provedora-adjunta contesta ainda os termos em que ele foi divulgado no jornal da junta. “O conjunto de afirmações proferido é susceptível de criar a expectativa – indevida – de que os moradores são chamados a decidir sobre a implementação da zona tarifada pela EMEL, e transmite a ideia – também imprópria – de que o resultado da ‘consulta de bairro’ é vinculativo”, lê-se no ofício.

A provedora-adjunta deixa ainda três reparos finais. Diz, por um lado, que “a pergunta formulada releva de uma matéria cuja competência não é da autarquia local” e que “é expressamente proibido o recurso ao referendo – por maioria de razão a uma ‘consulta de bairro’ – quando estejam em causa questões e actos de conteúdo tributário e financeiro”. Por fim, Teresa Anjinho critica que só os moradores das ruas directamente afectadas tenham sido autorizados a votar. “Convoca fundadas dúvidas em matéria de justiça e razoabilidade”, conclui.

“Isto parece-nos exagerado, senão não podemos ouvir ninguém”, afirma Inês Drummond. “O que é facto é que a decisão dos moradores foi acatada pela junta e que a EMEL está naquele sítio.”

Esta não é a primeira vez que a Provedoria de Justiça censura uma junta de freguesia de Lisboa por organizar este tipo de acções. Em 2015, a junta de Campolide levou adiante um “processo de partilha de decisão” em que perguntava aos fregueses se queriam substituir a calçada portuguesa por outro piso em algumas ruas. Uns meses mais tarde, o então Provedor de Justiça, José de Faria Costa, criticou a autarquia em termos muito semelhantes aos agora usados por Teresa Anjinho.

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