Obama condena “clima de medo e ódio” nos EUA e lembra escravatura e genocídios

Num comunicado em que se refere a Donald Trump sem nunca escrever o nome do actual Presidente norte-americano, Barack Obama volta a apelar ao reforço do controlo na venda de armas.

Foto
“Esta linguagem não é nova”, diz Barack Obama no seu comunicado Reuters/KEVIN LAMARQUE

O ex-Presidente dos EUA Barack Obama publicou um comunicado em que condena a linguagem de alguns líderes norte-americanos, que no seu entender “alimentam um clima de medo e ódio”. Obama não referiu o nome do actual Presidente dos EUA, mas os exemplos que escolheu para incluir na sua declaração levam directamente a Donald Trump.

O comunicado, publicado na noite de segunda-feira em nome de Barack Obama e da sua mulher, Michelle Obama, começa por se solidarizar com as famílias das 31 pessoas mortas por dois atiradores no último fim-de-semana — 22 em El Paso, no Texas, e nove em Dayton, no Ohio.

“Temos de rejeitar toda a linguagem que sai da boca dos nossos líderes e que alimenta um clima de medo e ódio ou normaliza sentimentos racistas”, diz Obama. “Líderes que demonizam quem não se parece connosco, ou que sugerem que outras pessoas, incluindo imigrantes, ameaçam o nosso modo de vida, ou que se referem a outras pessoas como sub-humanas, ou dão a entender que a América só pertence a um certo tipo de pessoas.”

O actual Presidente dos EUA já se referiu a algumas pessoas que entram no país como assassinos e violadores (2015) e animais (2018), salientando que falava apenas de criminosos. Mas não há registo de que tenha contado histórias de sucesso sobre a imigração ou que tenha elogiado o contributo dos imigrantes durante os seus comícios — pelo contrário, antes das eleições para o Congresso de Novembro de 2018, disse várias vezes que há “uma invasão” na fronteira dos EUA com o México.

E já este ano, em Julho, Trump sugeriu que quatro congressistas do Partido Democrata — uma hispânica, uma afro-americana e duas muçulmanas, três delas nascidas nos EUA — voltassem “para de onde vieram”.

“Esta linguagem não é nova”, diz Barack Obama no seu comunicado. “Está na raiz da maioria das tragédias ao longo da história, aqui na América e em todo o mundo. Está na raiz da escravatura e [das leis] Jim Crow, do Holocausto, do genocídio no Ruanda e da limpeza étnica nos Balcãs.”

Apesar de ainda não haver uma confirmação oficial por parte da polícia, tudo indica que o atirador de El Paso publicou um manifesto no site 8chan, antes do ataque, a denunciar uma suposta “invasão hispânica” nos EUA — uma expressão usada em várias ocasiões pelo Presidente Trump para defender a construção de um muro anti-imigração na fronteira com o México.

Quanto ao atirador de Dayton, Ohio, as primeiras informações indicam que seria um opositor do Presidente Trump e apoiante de Elizabeth Warren, uma das candidatas do Partido Democrata às eleições presidenciais de 2020 — segundo a Newsweek, era um eleitor registado no Partido Democrata. Tinha um passado de ameaças na escola e chegou a fazer listas com nomes de pessoas que queria matar e violar, segundo os seus antigos colegas.

Controlo das armas 

No comunicado em que reage aos dois ataques, o ex-Presidente dos EUA começa por criticar os congressistas norte-americanos por não terem ainda aprovado leis que dificultem o acesso às armas.

“Sempre que isto acontece, dizem-nos que as leis não evitariam todos os assassínios; que não impediriam todos os dementes de arranjarem armas e matarem pessoas inocentes em locais públicos. Mas há provas de que as leis podem impedir algumas dessas mortes”, diz Obama. E deixa um apelo: “Enquanto não insistirmos em responsabilizar os responsáveis eleitos pela mudança das nossas leis, estas tragédias vão continuar a acontecer.”

Em Abril de 2013, quatro meses depois de um atirador ter matado 26 pessoas no estado do Connecticut, incluindo 20 crianças de seis e sete anos na escola primária de Sandy Hook, o Senado norte-americano rejeitou mais uma proposta para dificultar o acesso às armas.

Nessa altura, o Partido Democrata estava em maioria no Senado, mas os seus 55 votos não eram suficientes para aprovar uma lei que precisava de pelo menos 60. Ainda assim, quatro senadores do Partido Democrata votaram contra a lei e quatro senadores do Partido Republicano votaram a favor — uma distribuição de votos que pode parecer estranha, mas que tem uma explicação simples: em muitos casos, quando uma proposta de lei polémica está condenada ao fracasso antes mesmo da votação final, os senadores de estados em que a maioria dos eleitores é do partido contrário optam por votar a pensar neles para evitarem uma derrota eleitoral.

No dia da votação, o Presidente Obama falou num “dia de vergonha para Washington”.

“Se uma medida do Congresso pudesse salvar uma pessoa, uma criança, umas centenas, uns milhares — se pudesse prevenir que essas pessoas percam a vida no futuro por causa da violência com armas, protegendo ao mesmo tempo os direitos garantidos pela Segunda Emenda, tínhamos a obrigação de tentar. Esta proposta de lei estava à altura desse teste, mas muitos senadores não estiveram”, declarou Obama.

E em Junho de 2016, ainda com o Presidente Obama na Casa Branca, mas já com o Partido Republicano em maioria no Senado, os senadores voltaram a recusar quatro propostas para dificultar o acesso às armas, uma semana depois do tiroteio mais mortífero do país àquela data — quando 49 pessoas foram mortas por um atirador na discoteca Pulse, em Orlando, na Florida.

Sugerir correcção
Ler 19 comentários