Sobre a mobilidade na Grande Lisboa

Seria de esperar que, face às primeiríssimas notícias de aumento de venda de passes, os operadores acautelassem a oferta, verificassem correspondências e melhorassem os suportes de informação. Em tempo de crise, a solução parece-me óbvia e imediata.

Uma alteração tão importante como a que ocorreu recentemente no quadro do transporte de passageiros na Área Metropolitana de Lisboa foi, certamente, objeto de um ou mais documentos que, pelo menos, explicaram o conceito, enunciaram as fases de planeamento e iluminaram a sua distribuição geográfica, documentos que desconheço. As considerações que se seguem decorrem apenas de alguma utilização, da informação colhida na comunicação social e da experiência passada.

Dei conta que, de repente, se verificou uma crise de capacidade no sistema. Afinal, venderam-se mesmo mais passes, as pessoas vão querer tirar partido do dinheiro que investiram e saber se a alteração as favorece ou não.

Estamos no terceiro mês, é natural alguma hesitação. Os que já vinham de transporte público passaram a pagar menos mas verificam que estão a viajar em condições menos confortáveis e não aplaudem entusiasticamente o aumento do número de companheiros de viagem; pelo seu lado, os recém-chegados ao sistema comparam, em cada momento, a poupança que fizeram com a perda de qualidade e de tempo a que foram sujeitos em relação à situação anterior e amadurecem decisão. É tempo de atuar.

Quando foi criado, em 1976, o passe intermodal visava resolver o impasse a que tinham chegado os transportes públicos na capital. Um processo tarifário complicado (não herdara a simplicidade tarifária dos elétricos do tempo da guerra, que era exemplar) onerava os percursos que exigiam um ou mais transbordos e promovia a criação de mais carreiras, complicando a exploração; a criação do passe eliminou, de um só golpe, essa variável – o bilhete era comprado ao mês e permitia saltar de carreira para carreira todos os dias e a qualquer hora sem qualquer agravamento. Esta medida conferiu ao utilizador a enorme prerrogativa de poder desenhar o seu plano de transporte porque a variável custo passou a constante e desapareceu do quadro de decisão (o que representou uma inestimável ajuda aos operadores, porque a sua leitura era gratuita e mais exata que qualquer sondagem). Ao contrário do que alguns julgavam, os operadores também lucravam com a simplificação: deixavam de se preocupar tanto com a bilhética, reduziam pessoal e podiam concentrar-se no desenho da rede, melhorando a rede de transbordos. Além disso, recebiam antecipado, o que, em tempo de inflação elevada, tinha interesse.

O desenho completo previu, em espaço, quatro coroas – Lisboa e mais três – e, em tempo, três modalidades – passe mensal, pré-comprado (para poucas viagens) e bilhete avulso (viajante ocasional). Algumas tentativas de estender o passe à 4.ª e 5.ª coroas, previstas no desenho inicial, não tiverem seguimento.

Entendo que o passe Lisboa – depois crismado de social porque, na altura, isso era cognome universal e preferencial – foi um marco histórico comparável às definições de traçado de rede do metropolitano de Paris, no que respeita à distância máxima às estações e ao número máximo aceitável de transbordos, ou à criação do mapa do metropolitano de Londres, por Henry C. Beck, que criou uma visibilidade que não existe na rede natural; de certo modo, transpôs, para o ambiente do transporte urbano, a doutrina tarifária do selo postal de sir Rowland Hill. Chamou a atenção de alguns operadores europeus, foi objeto de visitas de estudo e aceite pelos utilizadores locais mas rejeitado por alguns decisores que continuaram fiéis ao modelo anterior do pagamento minucioso da utilização.

No seguimento do processo, se o desenho das carreiras fosse interpretando os maiores fluxos, mais passageiros precisariam de menos transbordos e o sistema iria melhorando. Carreiras longas, mais frequentes, sem quebra acentuada de frequência em horas vazias, redução do número de términos no centro da cidade e também do número de variantes nos horários para permitir aplicar o melhor de todos os suportes de informação, a memória, seriam os instrumentos preferenciais para consolidar este modelo de exploração. Haveria também que criar esquemas de rede de leitura fácil, depurados da minúcia topográfica, que permitissem a escolha dos melhores percursos. 

Seria de esperar que, face às primeiríssimas notícias de aumento de venda de passes, os operadores acautelassem a oferta, verificassem correspondências e melhorassem os suportes de informação; não sei se tal sucedeu mas as medidas conhecidas – e que desagradaram, naturalmente, à opinião pública – incidiram na redução de lugares sentados em vários modos e redução de comboios na linha de Sintra.

Em tempo de crise, a solução parece-me óbvia e imediata – lançar na rua, nas horas de ponta, todos os autocarros disponíveis, alongar a ponta da manhã e antecipar a ponta da tarde para estabilizar a procura; depois, estudar alterações na rede de modo a reduzir número e duração dos transbordos e simplificar horários. Na linha de Sintra, em 1973, a receita de alargar as horas de ponta e de monotonizar horários e locais de embarque resultou plenamente; não vejo razão para que não funcione agora.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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