Depois de Ícaro

com aviões de propulsão a jato ou a turbo-hélice semelhantes aos que existem atualmente dificilmente encontraremos uma forma ecológica de viajar. Então como serão os aviões do futuro?

"A obrigação do homem é voar alto, mas sem nunca perder a linha de terra. Temos que ter as duas coisas ao mesmo tempo. Ter um chãozinho em baixo, tão objetivo e tão nítido como se fosse um mapa em relevo. E ao mesmo tempo voarmos alto. Uma só das coisas não é humana.”

Agostinho da Silva, 1990

A história da aviação é interessantíssima, cheia de episódios e abundante em soluções tecnológicas. Voar sempre foi uma ambição do Homem. Como piloto ou como passageiro, sozinho ou em grupo, a generalidade das pessoas imagina o voo como um privilégio. Assim é: mesmo como simples passageiro, em viagem de trabalho ou como turista, voar continua a ser um privilégio pois estima-se que apenas cerca de 5 a 6% das pessoas no mundo todo já tenham voado de avião alguma vez na vida. Esta estimativa é feita com base em alguns pressupostos que podem conduzir a algum erro, uma vez que as companhias aéreas não partilham toda a informação e não existe nenhuma base de dados oficial que registe o número de passageiros diferentes que já voaram alguma vez na vida, e uma mesma pessoa pode realizar mais de um voo por dia. Claro que há ainda regiões mal servidas em termos de aviação comercial e também regiões onde há maior percentagem de gente sem condição financeira para voar. Mas, globalmente o desejo de voar é quase imparável e, segundo dados recentemente publicados, o número total de voos comerciais realizados atingiu a cifra de 38,1 milhões em 2018 e espera-se que chegue a 39,4 milhões em 2019. Estes valores significam um aumento de mais de 50% relativamente à década anterior.

Segundo o site FlightRadar24 que rastreia em tempo real os transportes aéreos, o sábado 30 de julho de 2018 foi um dia de maior “congestionamento” no céu, batendo um recorde do ano, pois a plataforma mostrou rotas de 202.157 voos operados em quase todos os cantos do mundo. Mas, note-se, o número total de voos operados na passada quinta-feira 25 de julho de 2019 foi de 230.409: o novo recorde. Ora, se admitirmos um valor médio de 88 passageiros por avião, é provável que no dia 25 de julho de 2019 tenham voado cerca de 20,3 milhões de pessoas.

Comparando vários tipos de meios de transporte, os dados mais recentes da Agência Europeia do Ambiente indicam para o transporte aéreo um valor de 285 gramas de CO2 emitido por passageiro e por quilómetro. Para o transporte ferroviário de passageiros, o valor é muito menor: 14 gramas por passageiro e por quilómetro, e para o transporte rodoviário de passageiros (vulgo autocarro) a média é de 68 gramas por passageiro e por quilómetro. Se for um físico a dar a explicação, certamente dirá que vencer a gravidade e o atrito tem os seus custos… Mas, de qualquer modo, estes valores são apenas indicativos e derivam de análises realizadas num determinado período de tempo. Podemos esclarecer que no caso dos meios de transporte atrás referidos, se consideraram para cada um deles um número médio de passageiros por “veículo”: 12,7 passageiros por autocarro; 88 passageiros por avião; 156 passageiros por comboio. Se aumentarmos o número de passageiros por “veículo” aumentamos o consumo de combustível - e por isso as emissões de CO2 - uma vez que o “veículo” se torna mais pesado, mas o valor final de gramas de CO2 por passageiro é obviamente menor.

Entretanto chegou a notícia de que a jovem sueca, ativista pelo clima, Greta Thunberg vai de vela à América para poupar o planeta. A jovem foi convidada para a Cimeira de Ação Climática das Nações Unidas promovida pelo secretário-geral António Guterres, em setembro na ONU em Nova Iorque, e também para a COP25, em dezembro, em Santiago do Chile. Portanto, e conforme anunciou na sua página do Facebook, a Greta não quer voar e vai embarcar em agosto numa aventura transatlântica para contribuir para a redução das emissões de gases poluentes no planeta.

A história das infra-estruturas aeroportuárias acompanha a história da aviação comercial. No mundo existem atualmente mais de 1200 companhias aéreas e mais de 4000 aeroportos com voos comerciais e atividade regular. E Lisboa vai ter mais um: o aeroporto do Montijo, cujo estudo de impacte ambiental já está em consulta pública e decorre até 19 de setembro de 2019, encontrando-se a documentação disponível no portal Participa.

A vontade das pessoas voarem colide em termos concretos com os interesses de preservação da qualidade ambiental. E se as pessoas tiverem de deixar de voar? Solução radical é solução indesejada… Por isso, uma das formas de contornar o problema é voar de forma ecológica. Como será possível fazê-lo? Os fabricantes de aviões comerciais continuam a pesquisar maneiras de melhorar os aviões, tornando-os cada vez mais seguros, silenciosos, eficientes em termos energéticos, e reduzindo obviamente as emissões de gases poluentes. Mas, com aviões de propulsão a jato ou a turbo-hélice semelhantes aos que existem atualmente dificilmente encontraremos uma forma ecológica de viajar. Então como serão os aviões do futuro?

Como nos recomenda o filósofo Agostinho da Silva, “a obrigação do homem é voar alto, mas sem nunca perder a linha de terra”. Assim, prevê-se que os aviões comerciais do futuro sejam alimentados a energia solar, poderão combinar motores convencionais e elétricos, ou então totalmente elétricos, poderão atingir velocidades cinco vezes superiores às do som (ou seja, mais de 1700 metros por segundo e mais de 6 mil quilómetros por hora) e viajarão em formação, tal como as aves migratórias, para poupar combustível. Será assim possível reduzir os custos de operação e, desta forma, o preço dos bilhetes. Será importantíssimo o contributo trazido por novos materiais que irão permitir a concretização das novas tecnologias empregues na aviação. Até ao final deste nosso século XXI, vaticinam alguns especialistas, os céus poderão estar repletos de aviões comerciais não tripulados, ou melhor, controlados a partir do solo. E haverá certamente muitas outras novidades. Em todo o mundo a engenharia desenvolverá soluções para revolucionar a aviação, tentando evitar todas as formas de poluição e melhorando a qualidade e a segurança das viagens.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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