BES: Resolução foi há cinco anos e custos para Estado já superam os 5 mil milhões de euros

Recorde aqui alguns dos momentos chave.

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Rui Gaudencio

A resolução do BES foi há cinco anos, um verão “quente” do sector financeiro que já custou mais de 5000 milhões de euros ao Estado — e a factura ainda deve subir.

Apesar de à medida que avançava o ano de 2014 serem já evidentes os sinais de graves problemas no banco e no grupo, no final de Julho e início de Agosto cinco dias bastaram para pôr fim ao centenário Banco Espírito Santo.

Em 30 de Julho de 2014, noite de quarta-feira, já se esperava um rombo forte, mas a realidade sobre as contas do BES do primeiro semestre superou as expectativas: revelavam 3,6 mil milhões de euros de prejuízos e punham a descoberto uma série de irregularidades financeiras. Mais: o banco tinha um rácio de solvabilidade abaixo do exigido para funcionar.

Apesar disso, ainda nessa noite, tanto o então presidente do BES, Vítor Bento (que já substituíra o líder histórico Ricardo Salgado, afastado pelo banco central) como o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, garantiram por escrito que o banco ia continuar.

Em cinco dias tudo mudaria.

Os dias seguintes foram de intensos contactos e reuniões em Portugal e com as autoridades europeias. No domingo, 3 de Agosto, o Banco de Portugal, apoiado pelo Governo PSD/CDS-PP, liderado por Pedro Passos Coelho, aplicou uma medida de resolução ao BES.

Solução “urgente”

Perto das 23 horas, o governador do Banco de Portugal falou ao país e anunciou a solução “urgente” para o BES.

O banco central punha fim à instituição centenária fundada pela família Espírito Santo, considerada a última dinastia de banqueiros em Portugal.

A medida de resolução criava duas entidades: o “BES mau”, que deixou de poder operar, onde ficavam os activos e passivos considerados “tóxicos”, e o Novo Banco, que ficou com os depósitos do BES e com os activos considerados de qualidade, capitalizado pelo Fundo de Resolução (entidade financiada pelos bancos, entre os quais o público CGD, que está na esfera do Estado e consolida nas contas públicas) com 4,9 mil milhões de euros.

Então, o governador garantia: a “solução não terá qualquer custo para o erário público e nem para os contribuintes”. Também o Governo PSD/CDS-PP afirmou então que seria a restante banca a suportar eventuais custos, caso o Novo Banco fosse depois vendido abaixo da capitalização.

Também o Governo PS tem dito que “nem um euro” público será gasto no Novo Banco, já que o dinheiro que o Estado está a emprestar ao Fundo de Resolução para recapitalizar o banco será pago por este em 30 anos.

Para já, cinco anos e dois governos (PSD/CDS-PP e PS) depois, os encargos para o Estado têm estado sempre a aumentar e penalizado o défice.

Na capitalização do Novo Banco, uma vez que não tinha dinheiro suficiente, o Fundo de Resolução pediu ao Tesouro público 3,9 mil milhões de euros.

Contudo, rapidamente se percebeu que a capitalização tinha sido “curta”, até porque muitos dos activos do Novo Banco afinal eram “tóxicos”, como crédito malparado, imóveis sobrevalorizados.

Assim, em Dezembro de 2015, o Banco de Portugal passa para o “banco mau” BES obrigações seniores que inicialmente ficaram protegidas no Novo Banco, provocando grandes prejuízos nos investidores dessa dívida, como os grandes fundos de investimento Pimco e BlackRock. Os processos correm agora em tribunal.

Assim, numa primeira fase, o Novo Banco foi capitalizado com 6,9 mil milhões de euros, dos quais 3,9 mil milhões de euros públicos, ainda que através de um empréstimo.

Lone Star

Entretanto, sucediam-se as tentativas de vender o Novo Banco e só em Outubro de 2017 seria concretizada a alienação ao fundo de investimento norte-americano Lone Star, de 75%, mantendo o Fundo de Resolução bancário 25%.

O Lone Star não pagou qualquer preço, tendo injectado 1000 milhões de euros no Novo Banco.

Acordou ainda um mecanismo pelo qual até 2026, e com um limite de 3890 milhões de euros, o Fundo de Resolução compensa o Novo Banco por perdas num conjunto de activos que ponham em causa os rácios de capital.

Referente a 2017, o Novo Banco recebeu uma injecção de capital de 792 milhões de euros, dos quais 430 milhões de euros vieram de um empréstimo do Estado. Já em Maio deste ano, referente a 2018, recebeu mais 1149 milhões de euros, dos quais 850 milhões de euros de empréstimo público.

Segundo este mecanismo, nos próximos anos, o Novo Banco ainda pode pedir mais quase 2000 milhões de euros.

Já na sexta-feira, o Novo Banco estimou que pedirá mais 541 milhões de euros ao Fundo de Resolução com base nos prejuízos do primeiro semestre (-400 milhões de euros). Este valor ainda deverá aumentar uma vez que o total a pedir apenas se saberá com as contas anuais de 2019 e o próximo semestre deverá continuar difícil.

Contudo, os custos do Fundo de Resolução não se ficam por aqui.

O governador do Banco de Portugal explicou no parlamento, em 2017, que ainda pode ser chamado a entrar com mais capital no Novo Banco, caso haja outras perdas que resultem de actividade não protegida pelo mecanismo de compensação.

Nesse caso, segundo o contrato de venda, as perdas têm de ser assumidas “pelos accionistas na proporção do capital” e o Fundo de Resolução tem 25%.

Por fim, há ainda um acordo entre o Governo e a Comissão Europeia que prevê que, caso haja necessidade de capital “em circunstâncias adversas graves e os accionistas não as consigam colmatar, “Portugal disponibilizará capital adicional limitado”.

O objectivo de Bruxelas é garantir que o Novo Banco é viável, mesmo que o Estado tenha de intervir.

Aos custos da resolução do BES há ainda a somar encargos com os mecanismos de compensação dos lesados.

O Estado já emprestou 140 milhões de euros para a solução dos lesados do papel comercial (para pagar a primeira prestação das indemnizações) e mais uma garantia estatal de quase 153 milhões de euros. Poderá ainda vir a financiar outras soluções, como a que está a ser montada para os lesados do BES emigrantes da Venezuela e África do Sul.

“A opção menos onerosa para Portugal”

Por fim, há ainda muitos processos em tribunal que podem implicar significativos custos, caso os contestatários vençam as acções. Os processos apenas contra o Banco de Portugal estimam-se em cerca de 400.

Mesmo os processos que visam o Novo Banco, relativos à resolução, terão de ser pagos pelo Fundo de Resolução caso haja custos.

O Fundo de Resolução terá ainda de pagar a quem for reconhecido ter créditos sobre o BES. A consultora Deloitte concluiu, em auditoria pedida pelo Banco de Portugal, que os credores comuns do BES recuperariam 31,7% dos seus créditos caso o banco tivesse ido para liquidação, em vez de resolução, pelo que o Fundo de Resolução terá de assumir esse valor.

Perante o grave cenário financeiro do BES, no “verão quente” de 2014, a alternativa poderia ter sido a liquidação.

O Banco de Portugal estimou que um cenário de “falência” não ordenada do BES, como a imediata liquidação ou a bancarrota, teria levado o Fundo de Garantia de Depósitos a gastar entre 9000 e 18 mil milhões de euros para reembolsar os depósitos garantidos.

Segundo o documento da Comissão Europeia que aprovou a resolução daquele que era o terceiro maior banco a operar em Portugal, divulgado em Outubro de 2014, a resolução ordenada do BES e a criação do Novo Banco foi “a opção menos onerosa para Portugal”.

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