Sabia que todos têm direito à Infância?

Todos somos sociedade e todos somos chamados a conhecer os nossos sistemas e instituições, para nos orgulharmos das suas conquistas e reclamarmos as mudanças necessárias a um maior desenvolvimento e melhoria da vida comum.

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Juliane Liebermann/Unsplash

Sabia que os dados mais recentes do relatório de caracterização anual da situação de acolhimento reportam que, em 2017, estavam acolhidas 7553 crianças e jovens, separados das suas famílias, ao abrigo da lei de promoção e proteção? E que, em média, estas crianças e jovens estão acolhidas um pouco mais de três anos e meio? Sabia que, destas, só 3% estava entregue ao cuidado de uma família de acolhimento, permanecendo as restantes acolhidas em instituição? Sabia que esta é uma realidade em clara clivagem com a europeia e com a evidência científica? E que estudos exploratórios revelam que os portugueses têm uma atitude favorável face ao acolhimento familiar e uma elevada disponibilidade para se tornarem família de acolhimento?

Todos somos sociedade e todos somos chamados a conhecer os nossos sistemas e instituições, para nos orgulharmos das suas conquistas e reclamarmos as mudanças necessárias a um maior desenvolvimento e melhoria da vida comum. O conhecimento e a sensibilização social em torno do Sistema de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens é fundamental, permitindo ter cidadãos mais despertos para a problemática da proteção à infância, mais exigentes na reivindicação da sua qualidade, mais sensibilizados para poder, eventualmente, desempenhar algum papel – seja de família de acolhimento, padrinho civil, família amiga – em colaboração com o sistema.

Por isso, importa sabermos que a realidade do Acolhimento Familiar em Portugal é contrária ao que está consagrado na lei portuguesa, contrária à tendência europeia, e contrária ao consenso científico. A investigação afirma a maior capacidade do acolhimento familiar para responder às necessidades desenvolvimentais das crianças em perigo, devido à sua semelhança com o ambiente natural e à mais fácil criação de uma relação investida, particular e estável com os acolhedores. Importa saber isto para exigir, em Portugal, a efetivação de condições para o acolhimento familiar como resposta primeira, permitindo dar à grande maioria das crianças acolhidas um colo específico – que seja lugar de estabilidade, segurança, normalização da vida quotidiana, reparação de modelos de vínculos e relações saudáveis.

Importa também sabermos que a realidade do acolhimento residencial está em transformação – com jovens cada vez mais velhos e com mais problemas de comportamento – porque chegam ao sistema com marcas da passagem de um tempo mais dilatado de desatenção e desamor. Importa saber isto para exigir também condições que viabilizem trazer mais qualidade às casas de acolhimento: casas mais pequenas e organizadas num modelo para-familiar; mais atenção e respeito pela voz e perspetiva das crianças; maior capacidade e disponibilidade para o envolvimento da família e o investimento na sua recapacitação; menor sobrecarga dos técnicos e mais formação/supervisão das equipas que têm que gerir comportamentos e emoções; maior literacia sobre o poder dos vínculos, do amor, da entrega e do quanto isso é estruturante na possibilidade de lermos a vida de uma outra forma, de nos lermos de uma outra forma, de reparar trajetórias de vida – que é o grande compromisso do sistema com estas crianças e jovens.

De realçar, ainda, que saber que tudo isto pode ser uma realidade menos presente nas vidas de tantas crianças e jovens, se as suas famílias tiverem apoio precocemente, se os técnicos de proximidade, na comunidade, em meio natural de vida, tiverem as condições que lhes permitam desenvolver o seu trabalho cada vez com maior qualidade, com base em evidência, com consistência temporal, evitando tantas separações e acolhimentos.

Importa sermos cidadãos informados que exijam um sistema de promoção e proteção à infância cada vez mais congruente com aquilo que a ciência demonstra, com aquilo que o bom senso dita, com a necessidade de amor que a realidade grita. Para permitir um direito à infância, ao amor e a um pleno desenvolvimento, efetivos, e para todas as crianças.

A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico

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