De regresso ao princípio

Não podemos deixar de vigiar as razões profundas que fazem com que Portugal continue a ser um dos países com maior risco de ser devastado pelos incêndios

Basta que as condições atmosféricas se alinhem na conjugação errada, para o país continuar a ter largas porções do território a passar de verde a cinza. É uma inevitabilidade que SIRESP, SMS, GIPS, ANEPC e todas as outras siglas que enchem o nosso quotidiano, durante estação do ano alargada que se chama Charlie, podem minorar nos seus efeitos nefastos, mas não conseguirão fazer desaparecer.

Podemos e devemos continuar a escrutinar tudo o que na frente de combate aos fogos as autoridades promovem para diminuir a tragédia, mas essa vigilância não pode deixar de ser alargada às razões profundas que fazem com que Portugal continue a ser um dos países com maior risco de ser devastado pelos incêndios. E isso significa conseguir reduzir o impacto das alterações climáticas, da forma como é gerida a floresta e do abandono do interior do país.

Neste último capítulo, mesmo que corra o risco de rapidamente ficar arrumado numa qualquer gaveta da história, mesmo que tenha sido quase mais do mesmo, ontem tivemos novidades com o fim dos trabalhos da Comissão Independente para Descentralização, chefiada por João Cravinho. O relatório entregue na Assembleia da República é absolutamente claro em considerar que, “nos últimos anos, o grau de centralismo das decisões públicas em Portugal acentuou-se de forma significativa, com a crescente debilitação das entidades da administração central presentes nas regiões”. Isso alimentou “um perigoso sentimento de abandono por parte de populações que se sentem esquecidas e cada vez mais longe de decisores políticos”.

E pronto, assim se arrumam as dúvidas de que numa frente essencial para tentar mitigar a tendência natural para a litoralização do país estamos a falhar redondamente, apesar do atual Governo ter qualificado a descentralização como “pedra angular da reforma do Estado”. Assim fica preto no branco, chancelado pela casa da democracia, mesmo que sobrevenha a sensação de que qualquer pessoa, de bom senso e sem preconceitos, não terá dificuldade em perceber que uma das razões do nosso estrutural atraso se prende com o local único que ocupamos como um dos países mais centralistas da Europa.

Tal como nos fogos poderemos continuar a tomar a árvore pela floresta. Podemos discutir as golas e não ir à jugular do problema. Podemos entreter-nos com medidas descentralizadoras, com a municipalização, mas enquanto a classe política não for capaz de encarar de frente essa palavra tornada maldita, a regionalização, nada de verdadeiramente substancial mudará.

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