Bolsonaro põe militares e membros do seu partido na comissão que investiga desaparecidos na ditadura

Presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos tinha criticado as declarações do Presidente sobre a morte do pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil nos anos 1970. Foi substituída por militante do PSL.

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Bolsonaro envolveu-se numa polémica sobre a ditadura militar nos últimos dias ADRIANO MACHADO / Reuters

O Governo brasileiro mudou a composição do organismo que investiga as mortes e os desaparecimentos de vítimas da Ditadura Militar (1964-1985), dias depois de ter estalado uma polémica sobre o tema que envolveu o Presidente, Jair Bolsonaro. A presidente cessante fala em “represálias”.

Bolsonaro e a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, assinaram um despacho em que são substituídos quatro dos sete elementos da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), incluindo a presidente. Os novos membros são do Partido Social Liberal (PSL, de Bolsonaro) e militares.

A mudança ocorre depois de o Presidente se ter envolvido numa polémica com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, cujo pai foi morto pelo Exército durante a ditadura. Bolsonaro ofereceu uma versão alternativa do desaparecimento de Fernando Santa Cruz, que era militante de um grupo de extrema-esquerda, dizendo que foi assassinado por membros da organização a que pertencia.

O Presidente brasileiro não forneceu qualquer prova que suportasse as suas afirmações.

O caso motivou fortes críticas contra Bolsonaro, até de aliados políticos, como o governador de São Paulo, João Doria. O caso motivou também o pedido de cancelamento da visita de Bolsonaro a Portugal pelo Bloco de Esquerda, conhecido esta quinta-feira. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, garante que não existem planos para tal.

A presidente da CEMDP, a procuradora regional Eugênia Augusta Gonzaga, classificou as declarações de Bolsonaro como “muito graves”. Na semana anterior a comissão, que há mais de duas décadas faz investigação e reconhecimento de vítimas da ditadura, emitiu uma certidão de óbito que determina que Santa Cruz morreu em 1974 de forma “violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”.

A Comissão Nacional de Verdade, constituída em 2011 para promover a justiça para as vítimas da repressão do regime ditatorial, também tinha concluído que Santa Cruz foi morto pelo Exército, embora o seu corpo nunca tenha sido encontrado.

Questionado sobre as mudanças na CEMDP, Bolsonaro não esclareceu se se tratou de uma resposta às críticas que lhe tinham sido dirigidas. “O motivo [é] que mudou o Presidente, agora é o Jair Bolsonaro, de direita”, afirmou, citado pela Folha de São Paulo.

Eugênia Gonzaga interpretou a sua substituição à frente da comissão como uma “represália” motivada pelas suas críticas. A jurista, em declarações ao jornal O Globo, avisou que é “nítido” que a comissão a que presidia até agora “passará por medidas que visam frustrar os objectivos para os quais foi instituída”.

O novo presidente da CEMDP é Marco Pereira de Carvalho, filiado no PSL e que trabalhava como assessor de Damares Alves. Os restantes novos elementos da comissão são dois militares do Exército e um deputado do PSL.

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