Vereador do Bloco vai propor a saída de Salgado da administração da SRU

Manuel Grilo diz que a saída de Manuel Salgado “aparenta ser uma vereação a meias com Ricardo Veludo”, sublinhado que o vereador não tem condições para continuar à frente da SRU. Entre a oposição, só o PSD não vê razões para mexer no conselho de administração da empresa municipal. Câmara mantém-se em silêncio.

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daniel rocha

O vereador do Bloco de Esquerda na Câmara de Lisboa vai propor a saída de Manuel Salgado do conselho de administração da Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) na próxima reunião do executivo, o que só deverá acontecer em Setembro. Em resposta a questões do PÚBLICO, o gabinete do vereador Manuel Grilo, que tem com o PS um acordo para a gestão da cidade, diz que a posição do BE “sempre foi contra a constituição da SRU enquanto solução para as intervenções urbanísticas na cidade”.

A saída do vereador Manuel Salgado da Câmara de Lisboa, onde esteve 12 anos à frente do Urbanismo, Planeamento e Obras, foi anunciada na quarta-feira, numa entrevista que deu ao Expresso, e que só deveria sair no sábado, mas cuja parte da publicação acabaria por ser antecipada devido a uma notícia do Sol que dava nota da saída de Salgado. 

A câmara mantém-se em silêncio sobre a saída do vereador, não tendo ainda confirmado se Manuel Salgado se manterá à frente da SRU. Após o anúncio da saída do vereador, Fernando Medina apenas prestou declarações ao Expresso em relação ao próximo vereador do Urbanismo, Ricardo Veludo, dizendo que “é um valor seguro para a segunda parte do mandato” do executivo e que “a sua entrada representa uma mudança geracional”, deixando-lhe ainda o voto de confiança de que “estará à altura dos grandes desafios que se colocam à cidade”.

Manuel Salgado deverá deixar o cargo em Setembro, mas tal não significa que vá abandonar a política urbana da cidade, uma vez que é, desde Julho de 2018, presidente da SRU. No ano passado foram alterados os estatutos desta empresa municipal, que se traduziram na passagem para esta de importantes competências em obras novas que, até então, estavam nas mãos da câmara municipal — creches, escolas, centros de saúde e casas novas. Segundo disse o próprio ao Expresso, o facto de deixar este cargo político não implica que vá deixar a presidência do conselho de administração da SRU. “Estou disponível para continuar, se tiver a confiança da câmara”, afirmou. Questionado sobre se a sua continuidade na empresa não poderia levantar a suspeita de que continuaria a exercer a sua influência, Salgado esclareceu que o trabalho da SRU “é executar um contrato-programa que a câmara estabelece”, ou seja, executa apenas, deixando de ter “competências urbanísticas”.

Para o Bloco de Esquerda, o vereador não tem condições para continuar no cargo. “Salgado sai sem sair, estando liberto do escrutínio político como administrador da empresa municipal de obras. Aliás, a saída mais aparenta ser uma vereação a meias com Ricardo Veludo”. O gabinete de Manuel Grilo destaca ainda o facto de ter sido o vereador “o autor do Plano Director Municipal que permite atribuir créditos de construção e assim acrescentar pisos aos edifícios ao sabor dos promotores imobiliários”. “Foi assim com a Torre de Picoas na Avenida Fontes Pereira de Melo e é com esse suporte legal que se propõe a construção da torre no quarteirão da Portugália na Avenida Almirante Reis. É assim em tantos outros casos porque o PS assim o definiu”, criticou o bloquista, acrescentando ainda que esta poderia ser “uma oportunidade para inverter esta forma de fazer a cidade e de colocar as pessoas como prioridade e não os negócios”. 

Do lado da oposição, o discurso é semelhante. Para João Gonçalves Pereira, do CDS, a forma como Salgado anunciou a sua saída, alegando que tal já estaria prevista desde a constituição das listas para as eleições autárquicas de 2017, demonstra um “total desrespeito pelos eleitores”. “Percebe-se que isto estava acordado desde o início. Ou seja, isto significa que esteve no segredo dos deuses durante este tempo todo em total desrespeito pelos eleitores. Se alguém vota numa lista e se há um acordo que está previamente estabelecido, isto devia ter sido anunciado desde a primeira hora”, afirmou o centrista. 

Sobre a continuidade de Salgado à frente da SRU, João Gonçalves Pereira atira que vem sendo preparada, “há um ano, com a conivência de Fernando Medina, a criação de uma espécie de segunda câmara”. “Manuel Salgado tem ali uma segunda câmara que não tem de se sujeitar ao escrutínio político”, criticou o centrista, desafiando-o a deixar o cargo caso não haja unanimidade na câmara sobre a sua continuidade. 

“Mais relevante do que o protagonista é uma política de urbanismo que liberalizou os usos do solo e fez do promotor imobiliário o personagem privilegiado no desenvolvimento da cidade, impulsionando a escalada especulativa e comprometendo o direito à cidade. É esta política que teremos de continuar a combater”, escreveu, por sua vez, o vereador do PCP, João Ferreira, no Facebook.

Entre as forças políticas da oposição, a voz dissonante é a do vereador do PSD João Pedro Costa, que afirma não ver razão para que Salgado deixe a liderança da SRU. “O facto de o vereador sair não tem, na minha óptica, nenhuma implicação sobre a administração da SRU. Não vejo razão para mexer na administração da SRU a não ser que o próprio queira”, disse ao PÚBLICO. 

Uma cidade para lisboetas 

Ainda na quarta-feira, o urbanista João Seixas dizia ao PÚBLICO que o vereador Manuel Salgado ficará “seguramente” na história da cidade. Não só pela sua obra mas também “pela sua visão determinista e vincada” expressa em políticas e instrumentos como o PDM de 2012, a reabilitação urbana ou o programa Uma Praça em Cada Bairro. Também o geógrafo Jorge Malheiros destacava a recuperação do espaço público como um dos aspectos positivos da gestão de Salgado, saudando ainda a sua decisão de abandonar o cargo ao fim de 12 anos — o limite para um presidente de câmara, sendo que tal regra não se aplica a vereadores.

Ambos destacam que, durante os 12 anos em que o vereador geriu o planeamento urbanístico de Lisboa, a capital atravessou períodos de profunda mudança — também motivada por factores externos, como o boom do turismo, a alteração da lei das rendas que liberalizou o mercado de arrendamento, ou a proliferação do alojamento local. 

Se para João Seixas o vereador fez um trabalho importante para a mudança na cidade, sobretudo numa primeira fase de 2007 até 2012, 2013, em que a cidade precisava “urgentemente de ultrapassar os problemas enormes que tinha, de coesão social, de reabilitação, de mobilidade”, também reconhece que essas políticas precisam de ser revistas com “urgência”. 

Jorge Malheiros diz que é preciso voltar a aproximar a cidade dos seus moradores. Os grandes investimentos imobiliários, nota, acabaram por afastar a população da cidade, apenas acessível para quem tem rendimentos mais altos. Por outro lado, diz o especialista em ordenamento do território, esta mudança no pelouro do Urbanismo é uma oportunidade para “criar uma política que seja mais para as pessoas que estão na cidade e que combata este processo especulativo”. 

Sobre a permanência de Salgado na SRU, o geógrafo coloca algumas reservas: “Tenho algum receio de que algumas destas medidas, ao passarem para a SRU, sob a bondade de se poderem implementar mais rapidamente, possam ser sacrificadas à política de melhoria da cidade — que está mais próxima da turistificação e direccionada para a valorização do capital.” Notando ainda que, “com ele à frente da SRU, isso significa que continuará a ter influência nas políticas, ainda que estas não sejam exclusivamente dele”. 

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