O que Cabrita devia ter respondido

O caso das golas e as reacções que suscitou ferem de facto as boas intenções do programa Aldeia Segura e transmitem insegurança.

Mais de 100 pessoas morreram nos incêndios de 2017. Em Pedrógão Grande, onde pereceram 64 pessoas, muitas delas foram apanhadas pelo fogo quando procuraram fugir de suas casas. Se não bastasse a gigantesca dimensão da tragédia, este último facto era de molde a tornar imperativo que a acção das autoridades se focasse na salvaguarda das vidas humanas, especialmente nos processos de retirada das zonas atingidas.

Por essa razão, o Governo terá apostado no programa Aldeia Segura – Pessoas Seguras que, segundo os números oficiais, terá envolvido 1600 povoações, onde terão sido prestadas de acções de formação, nomeados mais de um milhar de oficiais de segurança local, realizados simulacros, identificados locais de refúgio, sinalizados os percursos de evacuação e distribuídos kits de autoprotecção.

Tudo coisas relevantes, integrando um programa muito importante, que parecem demonstrar a atitude conscienciosa de quem aprendeu e agiu na sequência das tragédias de 2017 e que umas golas vieram estragar. Foi mais ou menos este o lamento dos responsáveis governamentais perante aquilo que classificaram de jornalismo “irresponsável e alarmista”. Só que não têm razão, porque o caso das golas e as reacções que suscitou ferem de facto as boas intenções do programa e são fonte de insegurança.

Só alguém que não percebe nada de reacções humanas é que pode achar que se distribuem umas golas dentro de um kit de autoprotecção, alegadamente para protecção contra o fumo, e as pessoas não as vão usar em qualquer situação que envolva fumo e fogo. Ora prever a acção das pessoas em situações de emergência é aquilo que nos assegura que a Protecção Civil sabe o que faz. Assim ficamos com dúvidas.

Só alguém que faz da gestão política a sua primeira prioridade é que tem a resposta irritada que o ministro Eduardo Cabrita deu aos jornalistas. É a sua atitude que nos deixa em dúvida sobre o genuíno empenho em assegurar condições para que 2017 não se repita nunca mais. Sim, bem sabemos que perante a tragédia desse ano as golas são um pormenor ridículo. Mas só conseguiria ser verdadeiramente ridículo se, perante o erro óbvio da sua distribuição, o ministro, em vez de ter recorrido ao estafado estratagema de nomear uma comissão de inquérito, tivesse respondido da forma que ainda agora se impõe: “Vamos averiguar e, se as golas não forem apropriadas, vamos substituí-las por material adequado.” Assim percebíamos que a segurança estava antes de qualquer preocupação e não era uma simples questão de merchandising.

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