Bebés já esperam que os líderes corrijam as injustiças

Teatro de fantoches para 120 bebés mostrou que a compreensão de hierarquias sociais e dinâmicas de poder começa bem cedo, antes dos dois anos. Confrontados com uma transgressão, os bebés esperam que o líder intervenha

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Daniel Rocha

A expectativa que, como adultos, depositamos nos líderes para corrigirem uma situação errada não é apenas um comportamento adquirido com a experiência. Uma equipa de cientistas colocou bebés com apenas 17 meses perante uma situação de transgressão e conclui que eles esperavam por uma intervenção de alguém que reconhecem como líder. O artigo que relata os resultados da experiência realizada com fantoches e que permite tirar algumas conclusões sobre a compreensão de hierarquias sociais e dinâmicas de poder é publicado esta segunda-feira na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

“Sabemos que os adultos esperam que os líderes de grupos sociais intervenham para impedir as transgressões dentro do grupo. Queríamos saber o quão cedo essas expectativas aparecem no desenvolvimento humano, então examinamos a questão em crianças muito novas”, refere Maayan Stavans, estudante de doutoramento e investigadora que conduziu o estudo realizado no Laboratório de Cognição Infantil dirigido pela cientista Renée Baillargeon, na Universidade de Illinois, nos EUA.

O trabalho que explora as raízes desta percepção foi baseado num método usado em psicologia que dá importantes pistas sobre o comportamento de crianças que ainda são demasiado pequenas para se expressarem verbalmente. Em termos simples, a técnica passa por observar atentamente os bebés partindo da premissa que diz que estas crianças quando são confrontadas com uma situação com um final inesperado focam o seu olhar durante mais tempo. Os investigadores referem que ao observar o tempo que os bebés permanecem com o olhar fixo em diferentes situações e contextos é possível “perceber o que estão a pensar”.

O estudo envolveu 120 bebés que foram convidados a assistir, confortavelmente instalados no colo de um dos pais, a um (aparentemente) simples espectáculo de fantoches. O exercício envolvia três ursos, sendo que um era o protagonista que, por sua vez, podia (ou não) ser um líder. “Algumas das crianças assistiram a cenários envolvendo um urso protagonista que os dois outros ursos trataram como um líder, e algumas viram um urso protagonista que parecia não ter autoridade sobre os outros dois ursos”, refere o comunicado da Universidade de Illinois sobre o estudo.

Além do protagonista, os outros dois ursos também desempenhavam um papel, um era o infractor e o outro era a vítima. A situação de transgressão envolvia a distribuição de brinquedos. Assim, o protagonista surgia com dois brinquedos para dar um a cada um dos ursos e o infractor apoderava-se dos dois. O urso com papel principal (líder ou não) ficava com duas saídas, ou ignorava a transgressão ou corrigia este comportamento retirando um dos brinquedos ao infractor e entregava-o à vítima.

“Os cenários diferenciavam-se no estatuto do protagonista – era líder ou não? – e na resposta do protagonista à transgressão – rectificou a situação ou a ignorou?”, explica Renée Baillargeon. Como já se percebeu pelo início deste artigo, os bebés mostraram nestas experiências que esperavam que o protagonista intercedesse apenas quando era apresentado como um líder, o que parece demonstrar um reconhecimento da hierarquia social e um entendimento das dinâmicas de poder.

“Os bebés olhavam mais quando o líder ignorava o erro do que quando o corrigia”, especifica a professora de psicologia que coordenou este estudo, adiantando ainda que “isso sugere que as crianças esperavam que o líder interviesse e corrigisse o erro no seu grupo e que ficaram surpreendidas quando ele não o fez”. E quando o urso protagonista não tinha sido apresentado como um líder? Os bebés não mostraram qualquer sinal de surpresa – manifestada por um olhar fixo prolongado –, revelando que não tinham a expectativa que o erro fosse corrigido. “As crianças também olhavam mais para o infractor do que para a vítima quando o líder ignorou a transgressão, como se algo sobre o malfeitor explicasse a relutância do líder em corrigi-la”, refere ainda o comunicado.

O espectáculo de fantoches tinha ainda mais um acto. Desta vez, um dos ursos mostrava que não queria o brinquedo e o outro urso ficava com os dois, ou seja, não havia infracção. Neste caso, os bebés fixaram o seu olhar durante mais tempo quando o líder intercedeu para assegurar que cada um dos ursos ficava com um brinquedo. “Era como se os bebés entendessem que, neste caso, não havia transgressão, então consideravam excessivo o líder redistribuir um dos brinquedos a um urso que deixou claro que não o queria”, interpreta Maayan Stavans.

Estudos anteriores já tinham demonstrado que as crianças reconheciam os líderes e que têm certas expectativas sobre o comportamento das outras pessoas perante um líder. “Agora vemos que elas também têm expectativas sobre o comportamento dos líderes em relação aos seus seguidores”, conclui esta investigadora. No segundo ano de vida, os bebés já atribuem responsabilidades únicas aos líderes, incluindo a de corrigir os erros.

No artigo, os autores explicam que os cientistas aceitaram que as expectativas sobre as assimetrias de poder baseadas na liderança resultam de uma evolução gradual ao longo da história humana. Algumas dessas expectativas dizem respeito às responsabilidades dos líderes para com seus seguidores, uma perspectiva que não tem sido tão explorada. Os resultados obtidos neste trabalho, conclui o artigo, são “consistentes com as alegações que referem que as expectativas abstractas sobre as responsabilidades dos líderes fazem parte do dom humano”. E desde bem cedo, desde pelo menos os 17 meses de vida.

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