Não, não estás na tua zona de conforto

Será que a vida começa mesmo no final da nossa zona de conforto? Talvez. Será que devemos todos desatar a correr em direcção ao desconfortável? Não acredito.

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Paola Chaaya/Unsplash

Cada vez que abro o LinkedIn ou outra rede social qualquer, assisto a um desfile de frases motivacionais apetrechadas com os chavões da moda: impacto, ​empowerment​, ​leadership​, pensar fora da caixa, etc. Paira no ar uma sensação de que, de repente, todos temos de ser excelentes comunicadores, líderes exímios, fazer diferente, criar impacto e ser mega empreendedores. Esta busca desenfreada por ser “alguém na vida”, único e original, não poderá ter exactamente o efeito contrário? Queremos tanto ser especiais que acabamos todos iguais.

Parte do meu trabalho implica analisar várias cartas de motivação. Apesar de os autores serem pessoas com histórias diferentes, existe algo que todos eles têm em comum. Gostava que fosse a inexistência de erros ortográficos, mas não é. Aquilo que as une é este conjunto de três palavras: zona de conforto. Ao que parece, está a acontecer uma enorme debandada deste lugar. Todos escrevem que querem deixar a sua zona de conforto, de preferência, o mais depressa possível. Isto faz-me lembrar quando, ingenuamente, preenchíamos o nosso CV Europass com competências como a assiduidade ou a pontualidade. Não fazia muito sentido, pois não?

Ora bem, esta é a nova tendência: sair da zona de conforto. Ou, pelo menos, dizer repetidamente que se quer sair dela. Como a grande maioria das modas, as pessoas acabam por segui-la porque sim. Sem questionarem, juntam-se ao rebanho, ignorando por completo o local para onde vão pastar.

Será que a vida começa mesmo no final da nossa zona de conforto? Talvez. Será que devemos todos desatar a correr em direcção ao desconfortável? Não acredito.

Ao prosseguir com a leitura das cartas de motivação, acabo por chegar à conclusão que as pessoas não estão assim tão confortáveis. Têm rotinas que detestam, empregos que abominam e levam vidas mornas, onde pouco ou nada de interessante se passa. Querem, desesperadamente, encontrar um propósito, algo pelo qual valha a pena estarem vivas. Custa-me a acreditar que esta zona onde se encontram seja assim tão confortável. Se pensarmos bem, não deveríamos estar a fazer o contrário? Sair da zona de desconforto e irmos para onde nos sentimos bem?

A vida também pode acontecer na zona de conforto. Os nossos antepassados, sempre que possível, escolhiam fixar-se em lugares abundantes em recursos. Os animais migram para onde o clima é mais favorável. Nunca vi nenhuma gazela desatar a correr em direcção a um leão só porque quer desafiar a sua velocidade. É quando estamos confortáveis que baixamos as nossas defesas e permitimo-nos relaxar, ou seja, reduzir o ​stress e, quem sabe, ser felizes ou, no caso da gazela, não sermos comidos.

Eu entendo o que querem dizer quando se referem a sair da zona de conforto. Como é lógico, é importante superar as nossas limitações, aceder a capacidades que desconhecemos e sermos, cada vez mais, independentes. Contudo, a constante repetição desta ideia de que não é suposto estarmos confortáveis leva-nos a entrar por vidas movediças. Tiramos um curso com bastante sacrifício só porque é bom para o nosso futuro. Precisamos de chegar longe. Dizem-nos que por perto não se vai a lado nenhum.

Depois, começamos a trabalhar num local onde a nossa natureza não é respeitada, desligamos o brilho e aguentamos mais um bocado porque “tem de ser”. Tentamos alimentar relações de boca fechada, mas que não hesitam em mostrar-nos os dentes. Continuamos, insistimos e voltamos a tentar porque não é suposto desistir das pessoas e “se fosse fácil, estariam cá outros”. Subtilmente, vamos programando a nossa consciência para acreditar que é normal estarmos desconfortáveis, que não existe luz nenhuma, tudo é um longo e escuro túnel.

É essencial não confundir aquilo que nos é familiar com o ser confortável. Não é por eu já saber que o meu chefe não tem escrúpulos que vou viver em paz. Acredito que a chave está exactamente aqui: é preciso substituir o conhecido e medíocre, pelo desconhecido e incerto. O pior que pode acontecer é depararmo-nos com uma situação igualmente má. Mas e se acontecer o contrário? Se o desconhecido for bem melhor, não terá valido a pena visitar a tentativa? Ser boa pessoa e tentar têm algo muito bom em comum: ambos não custam nada.

Para além da normalização do incómodo, existe outra pedra neste caminho. Todos querem sair da zona de “conforto”, mas poucos pensam no que está do outro lado. Lidar com o desconhecido pode doer, ser chato e aproximar-nos do desespero. Ainda assim, aquilo que mais nos pode magoar é levarmos para esta travessia uma ideia fantasiosa sobre aquilo que vamos encontrar. Deixar para trás o que nos é familiar, medíocre ou não, requer maturidade, responsabilidade e, acima de tudo, consciência. Nunca vamos estar 100% preparados para lidar com tudo o que pode acontecer, mas, se soubermos gerir as nossas expectativas, podem realmente acontecer transformações maravilhosas. É quando não esperamos nada que podemos receber tudo, certo?

Infelizmente, são muito poucos aqueles que estão realmente na sua zona de conforto. Para os que ainda estão fora dela, tenho uma boa e uma má notícia. A má é que pode ser tremendamente complicado e desafiante largar pessoas, sítios e comportamentos. Deixarmos de fazer o que sempre fizemos tem tanto de libertador como de assustador. Mas, por outro lado, a boa notícia é que todos nós, sem excepção, temos o potencial necessário para transformar a situação em que nos encontramos. Experimenta seres quem és e fazer mais vezes aquilo de que gostas e podes correr um tremendo risco: ser feliz.

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