Não dêem ao PS a maioria absoluta

As três maiorias absolutas que houve em Portugal foram tempos de arrogância inimaginável e quem os viveu fora do poder seguramente não tem muitas saudades.

Reserve as quintas-feiras para ler a newsletter de Ana Sá Lopes em que a política vai a despacho.

O caso das “golas inflamáveis” e a reacção totalmente desproporcionada que o ministro Eduardo Cabrita teve quando foi confrontado pelos jornalistas sobre a questão é um episódio que demonstra como será um erro crasso se os portugueses decidirem, em Outubro, dar a maioria absoluta ao PS.

É verdade que a tragédia dos incêndios tem todos os ingredientes para toldar o raciocínio – mesmo num político experiente como Eduardo Cabrita, o que não era o caso de Constança Urbano de Sousa, que enfrentou 2017 – e também é uma evidência que, a seguir ao cargo de líder da oposição, o posto de ministro da Administração Interna é o mais difícil do país.

Infelizmente, a recusa do ministro (que é quem representa o Estado perante o povo) em dar explicações, limitando-se a atacar a comunicação social (que replicou a notícia do Jornal de Notícias), acusando-a de ser “alarmista e irresponsável” é um acto de arrogância insuportável. O ataque de fúria não é uma forma aceitável de exercício de poder – nem em momentos críticos, nem nos outros todos.

A verdade é que a Protecção Civil, que depende do ministro da Administração Interna, andou aos soluços nesta questão: primeiro, as ditas golas só serviam “para sensibilizar populações”; depois, já eram protecção “para movimentos rápidos de fuga a incêndio e não para combater um incêndio”. Em que ficamos?

A incapacidade do Estado na protecção das populações ficou evidente nos incêndios de 2017. A suspeita sobre se as capacidades melhoraram ou não é absolutamente legítima, infelizmente. Os ataques de fúria e a arrogância do ministro – que estão longe de ser uma excepção num governo em que o próprio primeiro-ministro várias vezes exerceu o poder de modo idêntico – apenas nos lembram dos riscos de uma maioria absoluta do PS.

As três maiorias absolutas que houve em Portugal — duas de Cavaco Silva e uma de José Sócrates — foram marcadas pela mais profunda alienação, agressividade, instintos revanchistas e tentativas de humilhação de classes profissionais (ver a passagem pela Educação de Maria de Lurdes Rodrigues), criação de inimigos internos em profusão (Cavaco combatia aquilo a que chamava “os poderes fácticos”, que eram a imprensa, o Tribunal Constitucional, o Tribunal de Contas gerido por Sousa Franco). Foram tempos de arrogância inimaginável e quem os viveu fora do poder seguramente não tem muitas saudades.

A ideia de que, com o desaparecimento do PSD em parte incerta, o PS pode estar à beira de reeditar esse modus operandi, que já vai exercitando sempre que pode, é um motivo de preocupação legítima para quem defende que uma democracia avançada tem de ter “checks and balances” – e um presidente da República, perante uma maioria absoluta, é manifestamente insuficiente.

Sugerir correcção
Ler 39 comentários