O colapso das Forças Armadas Portuguesas

Ao invés de “andar de Pandur, para ver como é que é”, o ministro da Defesa deveria, sim, preocupar-se em resolver os problemas – alguns deles crónicos – das Forças Armadas.

Em entrevista recente dada ao PÚBLICO/Rádio Renascença, o almirante Silva Ribeiro, chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA), revelou ao país (aquele que apenas se importa com as nossas Forças Armadas – FA – em épocas de incêndios ou de paradas militares) a triste e crua realidade atual das FA Portuguesas. Uma situação de colapso iminente, no que ao seu (e de qualquer organização) mais precioso ativo diz respeito, as suas pessoas!

Numa reação marialva e musculada, o ministro da Defesa logo classificou esta “revelação” como uma “infelicidade de linguagem”, fazendo corar os milhares de homens e mulheres que diariamente – no nosso país ou em paragens bem longínquas – servem com brilhantismo, abnegação, patriotismo e espírito de missão nas FA. Não contente, usou a habitual mantra nestes quatro anos de Governo, culpabilizando o Governo anterior pelo sucedido, um clássico.

Claro que com orações de sapiência deste calibre, fazendo jus ao seu antecessor no cargo, cada vez serão menos os que se disponibilizarão a servir o país nas FA, uma vez que para quem vive o seu dia-a-dia feito de dificuldades e escassez de todo o tipo de recursos, há muito que se sente o colapso iminente das FA, agora posto a nu pelo chefe do EMGFA.

Portugal é um país seguro, mas, num atual quadro de ameaças transnacionais, como o terrorismo, a cibercriminalidade ou a pirataria, e com cada vez mais ténues fronteiras entre o que tradicionalmente se chamaria Segurança e Defesa, umas FA desfalcadas e desmotivadas tornam-nos vulneráveis, conforme se comprovou com o triste episódio de Tancos. Acresce a tudo isto o cada vez mais vasto e diversificado conjunto de missões, dentro e fora do país, confiadas às nossas FA, muitas delas bem longe do “olhar critico” da opinião pública nacional, no quadro das nossas alianças internacionais.

Mas será que esse sentimento de segurança se manteria sabendo os portugueses que instituições como a PSP ou a GNR eram constituídas sem um quadro permanente de agentes/guardas que (cada vez com mais formação e especialização) asseguram a grande maioria das suas missões, compondo a grande maioria dos seus efetivos?

Com o exigente quadro de missões (internas e externas) acometido, como é que Exército e Força Aérea poderão sobreviver com o grosso do seu efetivo a ser constituído por jovens contratados periodicamente, tendo como principal objetivo a priori uma carreira numa qualquer força ou serviço de segurança ou – no limite – noutro departamento da Administração Pública?

Após o fim do Serviço Militar Obrigatório, há mais de 15 anos, e a consequente tentativa de profissionalização das FA, a imagem que, contudo, subsiste em muitos portugueses (cujo contacto provém ainda da Guerra Colonial ou dos anos 80 do século passado) é de umas FA com quartéis e bases repletas de militares e recursos, mais do que prontas para todas as missões. Infelizmente, esta imagem está nos antípodas da realidade atual.

Um estudo recente, de abril passado – curiosamente coordenado pela atual diretora do Instituto de Defesa Nacional –, demonstrava bem as fragilidades do atual modelo de “retenção e atratividade” das FA, bem como alguns dos caminhos a seguir. Segundo dados do próprio Ministério da Defesa, nos últimos cinco anos, 15.111 militares (em regime de contrato ou voluntariado) saíram das fileiras, 84% dos quais antes do tempo previsto, perdendo as FA no espaço de uma década cerca de 25% do seu efetivo total. Se estes dados não são alarmantes, não sei quais serão!

Só com um real (e efetivamente cumprido) conjunto de medidas se poderá contrariar este iminente colapso, designadamente, uma valorização dos preciosos recursos humanos de que as FA Portuguesas dispõem, um válido quadro de incentivos ao recrutamento e à permanência nas fileiras das FA, a constituição de um quadro permanente de praças no Exército e Força Aérea (à semelhança do que acontece na Marinha), uma equiparação remuneratória com PSP e GNR e a consagração de melhores condições de vida e de equilíbrio entre vida pessoal e profissional (onde se inclui um eficaz sistema de apoio social e de saúde militar).

Ao invés de “andar de Pandur, para ver como é que é”, o ministro da Defesa deveria, sim, preocupar-se em resolver os problemas – alguns deles crónicos – das FA, com menos formulações teóricas e mais resolução dos problemas reais dos milhares de militares que tutela e que servem e orgulham o nosso país.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico 

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