Em protesto contra exercícios militares, Coreia do Norte dispara dois mísseis balísticos

Acredita-se que Pyongyang fez os lançamentos em protesto contra os exercícios militares conjuntos entre os Estados Unidos e Coreia do Sul no próximo mês. Os dois projécteis caíram no mar, mas Seul acredita que um deles é um “novo tipo de míssil”

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Há pouco mais de uma semana, Pyongyang avisou que iria lançar mísseis se os exercícios militares não fossem cancelados LUSA/KIM CHUL-SOO

A Coreia do Norte lançou esta quinta-feira dois mísseis balísticos de curto alcance, segundo o Ministério da Defesa sul-coreano. É a primeira vez que Pyongyang lança mísseis desde que o seu líder, Kim Jong-un, e o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiram dar um novo fôlego às negociações de desnuclearização, ao se encontrarem na zona desmilitarizada que separa as duas Coreias.

Lançados da cidade costeira de Wonsan, no Leste do país, o primeiro projéctil atingiu uma distância de 430 quilómetros e o segundo de 690. Ambos caíram no mar. O Estado-Maior-General das Forças Armadas sul-coreano acredita que o segundo é um “novo tipo de míssil”, garantindo: “Os nossos militares estão a monitorizar a situação, em caso de mais lançamentos, e mantêm uma postura de prontidão”.

Um responsável norte-americano, que se recusou a ser identificado pela Reuters, limitou-se a confirmar o disparo de apenas um míssil. Todavia, sublinhou que os Estados Unidos ainda estão a analisar a informação.

Os dois disparos estão a ser encarados como protesto não-oficial de Pyongyang contra os exercícios militares conjuntos entre os Estados Unidos e a Coreia do Sul, que os condena como “pressão descarada”. Tornou-se comum o regime norte-coreano lançar mísseis para influenciar visitas de membros da Administração Trump à Coreia do Sul ou em protesto contra exercícios militares – aconteceu com dois lançamentos a 3 e 9 de Maio deste ano.

Há pouco mais de uma semana, Pyongyang avisou Washington e Seul de que, se não recuassem na intenção de levar a cabo mais um exercício militar conjunto, iria voltar aos testes balísticos. O aviso foi ignorado e Seul confirmou que iam mesmo avante, apesar de, na cimeira de Singapura, em 2018, Trump ter prometido a Kim o seu fim, apanhando de surpresa o seu homólogo sul-coreano, Moon Jae-in.

Visita de Bolton

Além disso, o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, encontrou-se esta quarta-feira com elementos do Governo sul-coreano em Seul. “O nosso objectivo principal, e sei que também o têm, é sair daqui com uma aliança EUA-Coreia do Sul mais forte e que há muito tempo mantém a paz nesta parte do mundo”, disse Bolton.

“A Coreia do Norte está claramente desagradada por os Estados Unidos e Coreia do Sul estarem a conduzir exercícios militares conjuntos. Por causa disso, Pyongyang recusou marcar uma data para negociações de trabalho com Washington, não aceita assistência alimentar de Seul e está agora a testar sistemas balísticos que irão certamente aumentar a tensão”, explicou Harry Kazianis, director de Estudos Coreanos no think tank conservador Centre for National Interest, citado pelo South China Morning Post. “Não deveríamos ficar chocados; de facto, deveríamos ter previsto”.

Estes lançamentos podem também ser uma manobra para ganhar pontos nas bloqueadas negociações com Washington. “Um segundo objectivo é o de pressionar os EUA para suavizarem a sua posição sobre a desnuclearização. Kim quer mais concessões recíprocas de Washington, especialmente a remoção de algumas sanções”, continuou Zhao Tong, investigador do Programa de Política Nuclear do Carnegie-Tsinghua Centre for Global Policy, ao jornal de Hong Kong.

O novo submarino

Esta perspectiva ganha ainda mais força se se tiver em conta que há dois dias Pyongyang divulgou fotografias de Kim a inspeccionar um novo submarino num estaleiro. Os especialistas acreditam tratar-se de um novo modelo de submergível ainda não testado e a dar os últimos passos de construção, segundo o site norte-americano Vox.

Mas a grande preocupação é se este novo modelo terá capacidade para disparar mísseis balísticos. Se assim for, será o primeiro submarino norte-coreano a fazê-lo, alterando as regras do jogo e dando uma nova cartada a Pyongyang na mesa das negociações com os Estados Unidos.

“O que vejo como significativo é a mensagem política, por ser a primeira vez desde a parada militar de Fevereiro de 2018 que Kim inspeccionou um sistema militar claramente desenhado para transportar e disparar armas nucleares”, explicou ao The Guardian Ankit Panda, investigador da Federação de Cientistas Americanos norte-americana, sublinhando que se trata de um “sinal sinistro” de que se deve levar com a “maior seriedade o prazo final de Kim para a mudança de política dos EUA”.

As reacções aos lançamentos não tardaram a chegar. Seul apelou ao seu congénere do Norte que parasse com todos os actos que possam elevar a tensão na região e sublinhando que estes testes representaram uma ameaça militar. E o Japão garantiu que os mísseis não tiveram qualquer impacto na segurança nacional japonesa.

“Confirmámos que a situação não teve impacto na segurança nacional do nosso país. Vamos avançar e trabalhar de perto com os Estados Unidos”, disse o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, aos jornalistas.

As duas cimeiras entre Trump e Kim – em Singapura e Hanói, em 2019 ­– não tiveram os resultados desejados para a desnuclearização da Coreia do Norte. Na primeira, os dois chefes de Estado acordaram uma declaração conjunta algo vaga que defendia a “completa desnuclearização da Península da Coreia”, mas a leitura da expressão é distinta. Pyongyang entende que apenas tem de se desnuclearizar quando as sanções norte-americanas forem levantadas e Washington que apenas o fará depois da desnuclearização.

Já a segunda cimeira resultou em falhanço: Trump abandonou-a a meio, sem acordo. Porém, mais recentemente, o chefe de Estado norte-americano deu um passo de aproximação que mais se assemelhou a um espectáculo diplomático inédito, ao encontrar-se com Kim na zona desmilitarizada que separa as duas Coreias – foi o primeiro Presidente dos EUA a pisar solo norte-coreano. A tensão diminuiu e ficou acordado que ambos nomeariam negociadores para prosseguir os contactos.

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