Marie-kondar a vida

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A Vanessa anda entusiasmada com a Marie Kondo, aquela mulher extraordinária que conseguiu transformar um problema sério (a sua perturbação obsessivo-compulsiva com as limpezas) num sucesso de milhões, com livros sobre arrumar a casa traduzidos em todas as línguas, um programa na Netflix e uma população sem mais que fazer do que interrogar-se sobre quais os objectos que nas respectivas habitações lhes transmitem alegria. Quase ninguém consegue esta maravilhosa via de superação de handicaps – só por isso Marie Kondo é uma inspiração.

Liguei à Vanessa para lhe perguntar se queria ir jantar e a voz dela estava afobadíssima.

– Eh, pá, estou exausta. Acabei de retirar a roupa toda dos guarda-vestidos.

Como há tanto tempo não ouvia a palavra “guarda-vestidos” deu-me para ficar dois segundos em estado de comprazimento.

– Que giro.

– Giro o quê?

– Falar em guarda-vestidos. Toda a gente diz roupeiros.

A Vanessa boicotou rapidamente a conversa sobre a linguagem – signos, sinais – e disse que agora o seu objectivo principal era marie-kondar a vida. O projecto ia começar na arrumação de objectos, roupas, papéis, mas era apenas a primeira fase.

Tinha muitos planos para o futuro – mari-kondar os amigos (os supostos), os amores (os alegados) e, blasfémia suprema, aderir mesmo ao radicalismo de Marie Kondo que diz que cada pessoa só deve ter 30 livros em casa.

– Trinta livros?

– Ela acha que não são precisos mais. Mas isto não é radical. Se o livro te traz alegria, não o deites fora. É só para os que não te trazem alegria. Tudo isto é um processo.

A Vanessa parecia tão crente na nova religião que cheguei a temer que decidisse também me marie-kondar a mim.

– Vais-me marie-kondar, Vanessa?

– Ando a avaliar se me trazes alegria.

– Vanessa, não me marie-kondes!

Ela não se quis comprometer já. Silêncio na linha. Depois, lembrou-se das listas que deputados que andam a ser fechadas por estes dias.

– Olha, não anda tanta gente agora a ser marie-kondada das listas de deputados? É a mesma coisa. Os líderes também só querem pessoas que lhe tragam alegrias.

– Sim, é verdade.

– Como vês, ter pessoas por perto que tragam alegria é válido para mim, para o Costa, para o Rio, para o Jerónimo, para a Catarina, para a Assunção… Eles também marie-kondaram bastante. E eu percebo-os. Quem quer ter chatos por perto? Nem eu nem eles.

Em processo de reflexão sobre a alegria que eu lhe proporciono – ou não –, a Vanessa não quis dar-me a garantia de que eu teria, no futuro, lugar nas suas listas.

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