SNS: balanço, ambição e compromisso

A ambição de um novo e robusto ciclo de desenvolvimento do SNS não é irrealista. É uma ambição necessária. Não é fácil, mas é possível. Por isso, temos a obrigação de a tornar exigência e compromisso.

Quando a poeira assentar, o reconhecimento dos benefícios obtidos pelo SNS na legislatura que agora termina será bem mais amplo e justo do que aquele que insinuam as proclamações críticas do dia-a-dia. Este tempo representou importante inflexão para o SNS, avultando três factos maiores e distintivos: aprovação pela Assembleia da República de uma nova Lei de Bases da Saúde, que significa inequívoco e clarificador compromisso com o SNS; expressivo aumento de cerca de 20% do orçamento do SNS, depois de anos de retrocesso; reforço substancial (+9%) dos recursos humanos do SNS, reparando as perdas da legislatura anterior.

Desde 1979, quando foi aprovada a lei que o criou, o SNS contribuiu de forma extraordinária para a melhoria da saúde dos portugueses. Mas, ao longo deste período, vários fatores evoluíram e colocaram pressão sobre o SNS: transição demográfica, com envelhecimento da população; transição de morbilidade, com preponderância de doenças crónicas; aceleração do progresso tecnológico, com oferta ampliada e mais onerosa de novas soluções de diagnóstico e terapêutica; debilitação da capacidade de financiamento, associada a crises ou limitações da economia ou das finanças públicas.

Entre 2011 e 2015, a pressão sobre o SNS atingiu notória intensidade, por causa do ajustamento e não menos por escolhas políticas erradas ou excessivas, impondo restrições no acesso ou na capacidade de resposta do SNS – por amplos cortes do financiamento público, redução de profissionais, condicionamento da inovação terapêutica e do investimento e aumento de taxas moderadoras – e originando abstenção de utilização de serviços ou derivação da procura para o sector privado acompanhada de aumento do peso das despesas diretas das famílias com a saúde (atingiu 27,7% da despesa total). No final do ciclo político anterior, em 2015, a exaustão do SNS estava à vista de todos.

A partir de 2015, a ação política do atual governo consistiu em proceder à reparação dos fatores condicionadores do funcionamento e da capacidade de resposta do SNS e da utilização dos serviços, atuando de forma decidida sobre quatro dimensões críticas: aumento do financiamento público, reforço do potencial e motivação dos recursos humanos, incremento da inovação terapêutica e redução das taxas moderadoras. A atividade do SNS aumentou, os resultados em saúde progrediram.

Face à desequilibrada posição de partida, o percurso não pode ser desvalorizado. O SNS está melhor; sobretudo está mais preparado, porque o País está melhor, para enfrentar os desafios que persistem.

Apesar da evolução positiva registada, há ainda desafios: promoção da saúde e prevenção da doença, atrasos e desigualdades no acesso, política de saúde para o envelhecimento e doença crónica, distribuição territorial dos recursos e da oferta de cuidados e gestão do SNS.

Depois da ação reparadora realizada, a nova legislatura não é menos decisiva para o futuro do SNS: nos próximos quatro anos, o SNS terá que ser uma prioridade política ainda mais reforçada. Teremos que ter como ambição um renovado e robusto ciclo de desenvolvimento do SNS – orientado para responder às desigualdades subsistentes e aos desafios demográficos – que o afaste definitivamente do perigo de definhamento recente.

Na próxima legislatura, para além de se continuar a apostar no reforço de financiamento e de recursos humanos retomado em 2015, as prioridades do SNS devem estar centradas em quatro objetivos essenciais com interesse concreto para os portugueses: melhorar o serviço aos cidadãos (médico de família para todos, com prontidão de atendimento; combate absoluto às listas de espera para consultas, cirurgias, entre outros); respostas integradas de proteção da saúde dos idosos e dos doentes portadores de doenças crónicas); promover a redução do peso das despesas diretas das famílias (atuando sobre taxas moderadoras e copagamentos – sobretudo em medicamentos – e promovendo aumento da oferta pública); melhorar a gestão do SNS (melhor planeamento, mais integração, melhor gestão de recursos humanos, mais eficiência na organização e na prestação de cuidados, melhor qualidade, combate ao desperdício, mais autonomia e flexibilidade de gestão e maior avaliação e responsabilização); promover a capitalização tecnológica e operacional do SNS, assegurando o financiamento do investimento indispensável.

A ambição de um novo e robusto ciclo de desenvolvimento do SNS não é irrealista. É uma ambição necessária. Não é fácil, mas é possível. Por isso, temos a obrigação de a tornar exigência e compromisso.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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