Notas sobre a eleição de Ursula von der Leyen

Este foi um bom arranque. Para a nova Presidente, para a UE e para o desanuviamento institucional.

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REUTERS/Fabrizio Bensch

1. Faz hoje precisamente uma semana, a nomeação de Ursula von der Leyen para Presidente da Comissão Europeia foi aprovada pelo Parlamento Europeu com uma maioria de 383 votos. Esta votação cumpriu o requisito dos tratados que exige uma maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções (de um total de 747 deputados – 4 não assumiram ainda funções –, teria de reunir um mínimo de 374 votos). Foram muitos, para não dizer todos, os que chamaram a atenção para o facto indesmentível de que a maioria obtida foi escassa. Eis um facto sobre o qual vale a pena reflectir e discorrer.

2. Tendo em conta a fragmentação partidária do Parlamento Europeu e os ressentimentos deixados pela rejeição sucessiva dos Spitzenkandidaten Manfred Weber e Franz Timmermans, o resultado obtido representa um êxito assinalável. Por um lado, diante da pulverização partidária, há claramente uma maior dificuldade em formar maiorias; dificuldade essa que obviamente se agrava numa votação por escrutínio secreto. Por outro lado, mesmo nos grupos políticos que formam a sua base política natural – PPE, socialistas e liberais – havia um número muito expressivo de deputados negativamente marcados pelo Conselho não ter “respeitado” os candidatos a Presidente da Comissão que se apresentaram ao processo eleitoral. Diante destas duas circunstâncias, era evidente que a sua maioria, a vingar, seria sempre uma maioria tangencial. Tanto assim era que muitos propugnavam um adiamento da votação até Setembro, em ordem a conseguir uma plataforma programática sólida que garantisse um apoio mais amplo.

Von der Leyen nunca quis ponderar o adiamento, considerando que seria capaz de, em quinze dias, apresentar um programa de consenso, em que faria concessões aos vários grupos políticos pró-europeus. E ganhou a sua aposta. Fez contactos com os grupos parlamentares, com os seus líderes, com um conjunto vasto de personalidades. Onde isso se impôs, ofereceu compromissos escritos. E finalizou essas duas semanas – que devem ter sido as mais intensas da sua já muito relevante vida política – com um discurso de primeira qualidade no plenário. Aí mostrou toda a sua convicção europeísta, a recusa dos radicalismos e extremismos, uma enorme determinação e uma grande ambição, mas, ao mesmo tempo, serenidade, tranquilidade, firmeza. O discurso evidenciou uma estatura de líder e uma visão para a Europa. Segurou com certeza muitos votos e terá conquistado definitivamente uns tantos outros que se revelaram fundamentais para a sua aprovação. Sem dúvida, em circunstâncias difíceis e até hostis, foi capaz de conduzir uma estratégia liderante e vencedora. 

3. Esta foi também obviamente uma vitória para o Conselho Europeu, que, apesar das resistências, críticas e dúvidas, viu a sua candidata ser aprovada à primeira tentativa e dentro dos prazos previstos. Importa acentuar mais uma vez que o procedimento do Conselho não foi uma manobra secreta – “feita nas costas dos eleitores” – por uma nomenclatura não democrática. Continuo espantado com a quantidade de comentadores – e muitos de qualidade – que repete este “mantra”! O Conselho Europeu é uma instituição europeia, totalmente democrática, claramente legitimada, composta por 28 membros, todos eles eleitos pelos seus respectivos povos. Numa “união de Estados” como é a UE, o órgão que representa os Estados não pode deixar de ter uma palavra na escolha do órgão executivo. Tem de a ter, tem direito a tê-la e, exactamente ao invés do que se diz, essa palavra é condição da plena “democraticidade” da escolha efectuada. Claro que essa intervenção tem de ser complementada pelo Parlamento e deve haver em consideração o jogo de forças que nele existe. Mas foi precisamente isso que sucedeu. Quem julga que esta pode ser uma decisão exclusiva do Parlamento, imposta ao Conselho, não compreende a complexidade constitucional de uma união de Estados, não percebe o equilíbrio próprios das experiências de integração. Naturalmente, e tal como ocorre ao nível das democracias nacionais, se o PE propicia maiorias claras, estas impõem-se muito mais fortemente ao Conselho. Mas se as urnas não geraram essa clareza ou limpidez, a folga para a intervenção do Conselho torna-se muito maior. 

4. Vale também a pena olhar para a face oculta da tão glosada “margem magra” de votos. Um dos riscos da aprovação de Ursula von der Leyen é que aquela vitória do Conselho fosse transformada numa derrota, sujeição ou submissão do Parlamento. Pois bem, o PE ao aprovar a nomeada por uma maioria curta e escassa, mostrou também o seu poder e a sua influência. Na verdade, depois de uma votação com estes números, a Presidente da Comissão só pode estar ciente de que depende mesmo do PE e de que terá ainda de “trabalhar” muito para assegurar que disporá de uma maioria funcional. Ao mesmo tempo que evitou um impasse ou bloqueio institucional, o PE deu um sinal ostensivo de que nada está garantido, nada pode ser dado por “adquirido”. Von der Leyen, já quanto ao seu programa, já quanto à composição da Comissão, tem de conquistar a confiança do Parlamento e sabe que a margem é curta. Se quer vir a ter uma plataforma maioritária viável e funcional, terá de negociar com os grupos políticos, terá de ser capaz de arbitrar as suas diferenças, terá de reconhecer a primazia parlamentar. Sem cair num optimismo bacoco ou panglossiano, a verdade é que o resultado da eleição acabou por ser o mais desejável dos resultados. Por uma banda, não fez mergulhar a UE num período que muitos considerariam de crise e paralisia. Pela outra, isso foi feito, mantendo incólume e bem viva a “maîtrise” do Parlamento. Ursula pode cantar vitória, mas fá-lo-á sempre num tom que respeitará o Parlamento. Nada está escrito, mas este foi um bom arranque. Para a nova Presidente, para a UE e para o desanuviamento institucional.

SIM e NÃO

 

SIM. Almirante Silva Ribeiro. A dignidade e a visão de futuro com que defendeu as Forças Armadas contrastam com a infelicidade e a fuga às responsabilidades do Ministro da Defesa. 

NÃO. António Costa. Em plena vaga de fogos, com evidentes falhas da política de prevenção do Governo, é absolutamente lamentável a tentativa de passar culpas para os presidentes de Câmara.

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