Sandra Correia explica Aqui Existo: “O fado era mesmo uma paixão”

A fadista Sandra Correia apresenta ao vivo o seu mais recente disco, Aqui Existo, com Mário Pacheco, Carlos Barretto e Cátia Mazzari de Oliveira por convidados. Esta terça-feira no Teatro da Trindade, em Lisboa, às 21h.

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Sandra Correia LOUNGE FOTOGRAFIA

Aos 3 anos ouviu Amália num disco e disse que queria ser “como aquela senhora”. Agora, quando Sandra Correia já soma dez anos de ligação profissional ao fado, mais aqueles em que o cantou como amadora, apresenta esta terça-feira no Trindade em Lisboa, às 21h, o disco Aqui Existo.

Nascida em Fornos, Santa Maria da Feira, em 25 de Agosto de 1973, Sandra Correia cresceu com música na família. “O meu pai é acordeonista e tem um conjunto de música popular e tradicional portuguesa, à semelhança do Conjunto António Mafra, que foi a influência deles.” Uma segunda profissão, porque é também carpinteiro “desde criança”. Mas, a partir dos 30 anos, a música foi a sua principal ocupação. “O conjunto é de 1971, está quase a fazer 50 anos, e eu nasci em 1973.” Às sextas-feiras havia sempre ensaio e ela estava lá, a ouvir. A mãe, sem ligações à música, tinha já uma ideia: “Só desejava que eu fosse cantora, fadista. Sentia que era para isso que eu nasci.”

Esse sentimento tinha uma razão de ser. “Aos 3 anos, ouvi a Amália a cantar, num disco que havia lá em casa, e disse à minha mãe que queria ser como aquela senhora. E só estava a ouvir. Aos 11 anos já cantava todo o repertório que eu tinha lá em casa da Amália. É uma coisa que não consigo explicar. No primeiro carnaval da escola primária pedi que me mascarassem de Amália.”

Beatriz da Conceição

O pai, que não via a filha no caminho da música (que, por experiência, sabia não ser fácil) acabou por convidá-la a cantar com ele, quando o conjunto perdeu uma vocalista. Foi a sua estreia profissional. “A minha primeira actuação foi no dia 8 de Dezembro de 1989.” E assim continuou por mais duas décadas. “Só deixei de cantar com o meu pai há cerca de 6 anos.” Sem nunca deixar o fado. Até que, em 2012, gravou primeiro disco, Sandra Correia Ao Vivo.

“Em Santa Maria da Feira, mesmo que eu quisesse, não havia onde cantar fado, só em Aveiro ou no Porto. Mas como o fado era mesmo uma paixão, assim que tive oportunidade de cantar com guitarra e viola não perdi tempo.” Aproveitou a ida de músicos de Aveiro à freguesia de Milheirós de Poiares (Santa Maria da Feira), para um espectáculo, e cantou com eles. “Depois os convites foram surgindo. Foi muito rápido.” Às casas de fado do Porto, chegou em 2007. E no início de 2009 passou a dedicar-se exclusivamente ao fado. “Cantei nas casas de fado do Porto, todas.” E, fora do país, fez temporadas de meses em casas de fado em Londres e em Barcelona. Os fados que então cantava já não eram só os de Amália. “Eu gostava muito da dona Beatriz da Conceição, que era do Porto e era presença obrigatória nos discos lá em casa.” Outros? “Alfredo Marceneiro, sem dúvida; Carlos do Carmo; Fernanda Maria; e depois fui ouvindo outros.”

Voltando ao primeiro disco. “Foi gravado em Ponte da Barca, mas apenas para recolha de som, nem sequer se pensou num disco nessa altura.” Mas ao ouvirem a gravação, sugeriram-lhe que a lançasse em CD. Ficou pronto no Natal de 2011 e foi lançado no dia 2 de Janeiro de 2012. Três anos depois, surgiria o segundo, Perspectiva, lançado em 6 de Março de 2015. “Nas casas de fado do Porto trabalhei muito com compositores, violistas ou guitarristas, e também com um poeta muito importante na minha vida, o Fernando Campos de Castro.” Foi recolhendo composições, poemas, letras que iam dando fados. “Alguns, daquela época, ainda estão guardados”, diz.

“Vou dar tudo de mim”

Aqui Existo, o terceiro disco, esperou mais três anos: foi lançado em 5 de Julho de 2018. Estes passos, marcados por idêntico espaço temporal, são vistos por Sandra Correia desta forma: “Eu vou conhecendo pessoas interessantíssimas e muito criativas, e quando percebo isso peço-lhes para comporem para mim. A diferença entre os discos é que no primeiro só tinha um original, o segundo já era uma coisa muito pensada, com material oferecido pelos amigos, e o Aqui Existo teve esse nome por causa do poema da Rosa Lobato Faria com uma música do Mário Pacheco.”

Mário Pacheco, guitarrista, compositor e dono do Clube de Fado, onde Sandra é fadista residente desde 2014, é um dos convidados especiais do concerto do Trindade, juntamente com Carlos Barretto, contrabaixista, e Cátia Mazzari de Oliveira, cantora e autora de dois temas que Sandra canta. Em palco estarão ainda os músicos Ângelo Freire (guitarra portuguesa), Pedro Soares (guitarra clássica), Marino de Freitas (baixo), André Silva (percussão) e o quarteto de cordas MixEnsemble. A direcção musical é de Valter Rolo e os arranjos de Lino Guerreiro. O novo disco teve duas nomeações internacionais, pelos temas Aqui existo e Tarde demais, nos International Portuguese Music Awards e Best World Traditional Album nos Independent Music Awards.

Do concerto no Trindade, Sandra Correia só espera que ele reflicta o que sente: “Vou dar tudo de mim. Espero que seja tão profundo como eu sinto cada poema que canto neste Aqui Existo. E espero que o público sinta aquilo que eu sinto na realidade — estou apaixonada por este disco.”

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