Costa diz que Ordem dos Médicos veda acesso à profissão. Clínicos devolvem críticas

Primeiro-ministro inaugura cinco unidades de saúde no mesmo dia e critica o excessivo poder regulatório das ordens que restringem a concorrência. Médicos dizem que António Costa “confunde” o papel da Ordem.

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Nuno Ferreira Santos

Num dia dedicado a inaugurar unidades de saúde nos concelhos de Sintra e da Amadora, o primeiro-ministro criticou o exercício dos poderes regulatórios de algumas ordens profissionais, em especial a dos médicos, para restringir a concorrência e limitar o acesso à formação, considerando que tal prática impede a resposta às carências.

A Ordem dos Médicos respondeu através de comunicado. Diz que o primeiro-ministro “confunde” o papel da Ordem, que nada tem a ver com aprovação de cursos ou definição do número de vagas, e que causa “estranheza” a crítica de falta de médicos quando António Costa e o ministro das Finanças várias vezes têm dito que o SNS nunca teve tantos médicos como agora.

Costa assumiu esta posição na inauguração da nova Unidade de Saúde de Sintra, após o presidente da câmara, Basílio Horta, se ter insurgido contra os obstáculos levantados pela Ordem dos Médicos em relação à abertura da nova Faculdade de Medicina da Universidade Católica. O primeiro-ministro concordou “totalmente” com esta análise e retomou um dos pontos que esteve presente no discurso que fez no sábado, em Lisboa, durante a Convenção Nacional do PS, quando apresentou o programa eleitoral dos socialistas.

“A OCDE e as instituições internacionais dirigem-nos permanentemente recomendações no sentido de alterar as regras que dizem respeito ao acesso às profissões reguladas. Considero que as ordens têm uma função insubstituível na regulação do exercício da actividade, na fixação dos padrões de qualidade de exigência e ninguém pode brincar com a saúde. E a melhor forma é mesmo não brincar com a qualidade da formação dos profissionais de saúde”, começou por acentuar o líder do executivo.

No entanto, de acordo com António Costa, é obrigatório dotar Portugal com os recursos humanos necessários “e não utilizar as competências que existem para práticas restritivas da concorrência e limitar o acesso à formação com qualidade e exigência”. Caso contrário, advertiu, o país ficará com enormes carências para satisfazer as necessidades” da sua população.

Depois, num recado indirecto ao bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, o primeiro-ministro apontou que “é muito fácil andar de hospital em hospital a identificar a falta de um anestesista ou de um ortopedista”. “Ora, para que isso não aconteça, é fundamental assegurar que, à partida, há condições no sentido de que quem tem competência e capacidade para poder ser médico tenha [efectivamente] acesso à formação de medicina, frequentando um curso que seja exigente e de qualidade”, defendeu. Quem reunir essas condições, na perspectiva do primeiro-ministro, deve “aceder à profissão para que o país disponha dos recursos humanos que necessita”.

Ordem dos médicos responde

A Ordem dos Médicos respondeu às declarações de António Costa através de comunicado, referindo que estas “são incompreensíveis”. Na nota lembra que a aprovação de novos cursos universitários cabe à Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior e não pela Ordem dos Médicos. “Não deixa de ser curiosa, no entanto, a forma combativa como o primeiro-ministro defende a existência de cursos de medicina nas universidades privadas”, lê-se no comunicado.

Quanto à definição do número de vagas para os cursos de medicina, continua, estas são definidas pela Direcção-Geral do Ensino Superior. Salienta que os ingressos nos cursos de medicina “mais do que duplicaram” em 20 anos e que este aumento de vagas “tem levado a uma maior insatisfação no terreno com a qualidade da formação”.

“Este aumento na formação pré-graduada tem também impacto na formação pós-graduada, isto é, no acesso a uma especialidade — onde mesmo assim a Ordem dos Médicos tem conseguido alargar, todos os anos, as capacidades formativas atribuídas, atingindo um recorde de 1729 vagas identificadas para 2019 e mais de 1800 já identificadas para 2020”, destaca a Ordem dos Médicos.

Sobre a falta de médicos apontada por António Costa, a Ordem refere que o problema não está “no número de médicos existentes no país e sim na incapacidade que o Serviço Nacional de Saúde tem tido em atraí-los e mantê-los, com um projecto de carreira estimulante e duradouro”. E devolve a critica a António Costa: “A afirmação do primeiro-ministro causa também estranheza uma vez que tanto ele como o Ministério das Finanças e Saúde têm vindo a público assegurar, por diversas vezes, que o SNS nunca teve tantos médicos.”   

Meta de médicos de família não será cumprida

Costa admitiu que não conseguirá cumprir a promessa de atribuir médico de família a todos os portugueses, mas estima chegar aos 97% da população no final desta legislatura. Neste momento, segundo o primeiro-ministro, “o concurso está ainda aberto, há muitos médicos e médicas a concorrerem e ir-se-á ver qual o resultado final”. “Se conseguirmos preencher a totalidade das verbas, ficaremos com 97% dos portugueses com médicos de família assegurado. (...) Tenho a certeza de que os 3% que ficam a faltar serão rapidamente resolvidos no início da próxima legislatura”, disse.

Na sua intervenção, o primeiro-ministro sustentou também que o seu Governo concretizou na semana passada o objectivo de ter no final da legislatura “mais cem novas Unidades de Saúde Familiares” USF.

Numa intervenção antes de António Costa, a ministra da Saúde, Marta Temido, disse que a maior falta de cobertura por parte de médicos de família é precisamente na zona da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo. “Mas hoje, durante esta manhã, estivemos em novas unidades para 63.500 utentes, num investimento total de 2,6 milhões de euros”, disse.

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