Bianca Devins foi assassinada e as imagens partilhadas centenas de vezes no Instagram

A adolescente, de 17 anos, foi morta pelo alegado namorado há cerca de uma semana. O suspeito partilhou imagens do cadáver que estiveram disponíveis durante várias horas no Instagram e outras plataformas.

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O seu nome é Bianca Devins, tinha 17 anos, vivia na cidade de Utica, estado de Nova Iorque, e foi brutalmente assassinada há cerca de uma semana e as imagens do crime partilhadas centenas de vezes online.

Bianca tinha terminado em Junho o ensino secundário e pretendia começar a estudar psicologia na universidade ainda este ano.

Até que, no sábado, dia 13 de Junho, Bianca viajou até Queens para ver um concerto da cantora canadiana Nicole Dollanganger, acompanhada por Brandon Andrew Clark, de 21 anos. Segundo a polícia de Utica, o casal ter-se-á conhecido dois meses antes do sucedido, através do Instagram. Os contornos da relação entre ambos ainda estão por descobrir, mas as suspeitas indicam que Brandon seria o namorado da jovem.

Após o concerto, ambos terão tido uma discussão e Bianca acabou por nunca regressar a casa.

Segundo a BBC, a polícia acredita que este possa ter sido um crime passional e que Brandon, motivado por um episódio de ciúmes, atacou com uma faca a jovem, cujo corpo foi depois encontrado degolado.

O crime terá ocorrido na madrugada de sábado para domingo, altura em que começaram a circular imagens do cadáver e conteúdo explícito do crime nas redes sociais. A primeira imagem partilhada nas stories (um serviço que permite a partilha de imagens durante apenas 24 horas) do Instagram por Brandon Andrew Clark corresponde a um frame do filme Clube de Combate, onde se lê “Esta é a tua vida, e está a terminar um minuto de cada vez”. Depois, o suspeito partilhou uma imagem onde é possível ver uma estrada (dando a sensação de que a fotografia foi tirada detrás do volante), com a descrição “Vem aí o inferno. É a redenção, certo?”. Por fim, o suspeito terá partilhado no Instagram uma fotografia desfocada de um cadáver mutilado e ensanguentado (que depois se veio a confirmar ser de Bianca Devins), com a legenda “Desculpa Bianca”.

O suspeito terá partilhado ainda, cerca das 6h, uma fotografia do corpo de Bianca, onde era possível ver as lesões na sua garganta, através do Discord (uma plataforma de conversa e partilha, destinada a utilizadores de jogos online que tanto Brandon como Bianca utilizavam regularmente) e do 4chan (outra rede que permite publicar imagens de forma anónima).

Foi então que as autoridades receberam várias queixas de utilizadores das redes sociais e começaram a investigar o caso. Por volta das 7h20 de domingo, a polícia já tinha recebido “várias” chamadas, incluindo algumas originárias de outros estados norte-americanos, a alertar para as publicações. As autoridades avançam ainda, em comunicado, que o suspeito ligou para os serviços de emergência (911) e fez “declarações incriminatórias” sobre o homicídio.

Um polícia acabou por localizar Brandon Andrew Clark na madrugada de domingo, numa zona de mato, junto a uma área residencial. Quando foi encontrado, o rapaz esfaqueou-se a si próprio no pescoço e ter-se-á deitado em cima de uma lona verde (que cobria o cadáver de Bianca) enquanto tirava selfies e as publicava online.

Após breves confrontos com a polícia, o suspeito acabou por ser detido e encaminhado para o hospital e o corpo de Bianca descoberto. Brandon foi operado de emergência e, um dia depois, acusado de homicídio em segundo grau. Segundo o diário New York Post, a família do suspeito tinha já historial de violência, com as autoridades a revelarem que o pai de Brandon Clark, em 2010, tinha já atacado a sua esposa e ameaçado “cortar-lhe a garganta”.

O eco nas redes sociais

Mas as imagens, essas (que a polícia confirmou, mais tarde, serem reais), continuaram a ser partilhadas horas depois da morte de Bianca — até o Instagram eliminar a conta do suspeito — e o caso ecoou nas várias redes sociais, levantando-se a questão sobre o papel destas plataformas na divulgação de conteúdo violento e extremista e a necessidade de um maior controlo e escrutínio por parte das empresas que as gerem. Exemplo da dimensão que o caso ganhou é o facto de a conta de Bianca Devins (que antes teria cerca de 2000 seguidores) ter actualmente mais de 160 mil seguidores no Instagram.

Contactado pela BBC, o Instagram não confirma a data em que recebeu os primeiros alertas de que estariam a ser partilhadas estas imagens na rede social nem o tempo que as fotografias estiveram disponíveis na conta do suspeito (embora alguns screenshots sugiram que a fotografia do cadáver esteve disponível online durante mais de 20 horas). Alguns utilizadores revelam, por outro lado, que as suas tentativas de denúncia do conteúdo foram rejeitadas (com a justificação de que o conteúdo não violava as políticas do Instagram). Porém, o Instagram garante que tem estado a analisar as hashtags e contas através das quais este conteúdo tem sido partilhado para, depois, as eliminar. Ao Guardian, um porta-voz do Facebook, que detém o Instagram, sublinhou que a empresa está a tomar “todas as medidas” para eliminar as fotografias da plataforma.

Já no 4chan, vários utilizadores celebraram a morte de Bianca, referindo-se ao crime com linguagem ofensiva e misógina e chegando mesmo a manipular a imagens para criar memes.

A morte de Bianca rapidamente ganhou uma dimensão global e se, por um lado, vários foram os utilizadores a partilhar e difundir as violentas imagens (com alguns a aproveitarem a situação para ganharem seguidores ou publicitar perfis), uma onda de solidariedade emergiu também online pela vítima e pela família, com várias pessoas a apelarem aos outros utilizadores para não visualizarem nem partilharem o conteúdo e denunciarem a conta.

“Nós usamos esta expressão para as pessoas descansarem em paz [ rest in peace ]. Mas, na verdade, ela não pode, porque continua a viver neste tipo de infâmia perpétua online de cada vez que a sua imagem é partilhada”, explica à BBC James Densley, professor de Direito penal no Minnesota, que alerta ainda para o risco de trauma de outros utilizadores.

A dimensão que tais crimes podem ganhar online e o facto de estas plataformas serem usadas para fins radicais tem vindo a preocupar vários especialistas, que relacionam o recente caso com os contornos do ataque a duas mesquitas em Christchurch, na Nova Zelândia, que fez 51 mortos e foi transmitido através do Facebook.

Robert Evans, jornalista de investigação especialista em radicalização online, sublinha à BBC que a linguagem violenta é “comum” neste tipo de plataformas e comparou a forma como os jovens se estão a radicalizar através destes websites com o recrutamento levado a cabo pelos grupos extremistas. “Tudo o que tens de fazer é espalhar a propaganda na esperança de que, algumas vezes por ano, um indivíduo tenha a devoção e ódio no seu coração suficientes para fazer algo”, acrescentou.

Robert Evans alerta ainda para a dificuldade de “monitorizar todos os pequenos cantos negros” da Internet: “Este é um problema muito do século XXI – e não há um mapa para o resolver”, conclui o especialista.

Já James Densley alerta para a questão de as redes sociais, além dos moderadores humanos, dependerem, em parte, de inteligência artificial e algoritmos e de actuarem como echo chambers: “Estes indivíduos conversam e ampliam-se uns aos outros”. Mas, afinal, até onde vai o alcance das redes sociais e quais os limites?

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