Meta o turbo e medite. Seja rápido, até a abrandar

Se praticar mindfulness ou meditar, não quero fazê-lo em modo turbo ou expresso, mas no tempo que me apetecer. No tempo vagaroso de um passeio, de me deitar ao lado da minha filha bebé e ficar só a ouvir a respiração dela. Só isso. E isso é muito mais do que a filosofia do sucesso que contamina tudo em que toca. Até o que é bom.

A minha amiga já não se lembra se o anúncio no qual tropeçou, e em que se apregoava um compacto de meditação em 20 minutos, em vez de uma hora, se chamava “turbo zen” ou “zen expresso”, mas creio que qualquer um dos nomes expressa bem a incoerência da ideia.

Sinto um espanto, ou uma desilusão, quando vejo que práticas que, à partida, pertenceriam a um lugar mais respirável, de desaceleração e de abrandamento em relação ao ritmo imposto por um sistema amigo da pressa se colocam, afinal, no pólo oposto.

Já tropecei em vários anúncios e artigos sobre como a meditação ou o mindfulness são óptimos para aumentar a produtividade, para fazer mais em menos tempo, para potenciar resultados. Por outras palavras: para responder melhor ao sistema. A reflexão sobre esta contradição já mereceu outras linhas, como estas que li no Guardian e que se chamavam The mindfulness conspiracy.

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Não acontece sempre, mas tropeço mais vezes do que esperaria no apregoar do mindfulness, da meditação e do ioga como excelentes para serem postos em prática em empresas, para aumentar a concentração de empresários e de trabalhadores, para alcançar ainda mais resultados, para melhorar as notas das crianças.

Se não forem óptimos para potenciar resultados num sistema altamente competitivo, são, pelo menos, eficientes para ajudar a sobreviver ao sistema. Para baixar os níveis de stress antes de se ficar stressado outra vez. E, se nem uma hora do dia tiver para uma paragem, alguém lhe venderá a experiência em 20 minutos. O sistema parece capaz de canibalizar tudo, tudo pode ser um negócio.

Como bónus, em alguns casos (felizmente não todos), vende-se ainda a ideia de que muito do que conseguimos ou não conseguimos na vida depende sobretudo de nós. E, normalmente, para se vender melhor, essa ideia promete-nos que, se quisermos muito, teremos riqueza, sucesso, e produtividade.

O indivíduo tem nas mãos um raio de acção considerável, mas não depende tudo dele – há muito (e matéria muito importante) que depende do todo, do colectivo, do tal sistema. E nesse lugar fora de nós, mas do qual fazemos parte, também há lutas a travar.

Acreditar que podemos viver num sítio à parte, apolítico, sozinhos ou com alguns que pensam, ou sentem, como nós, é alienarmo-nos do sistema. Permitir que algumas formas de desaceleração sejam colonizadas pela lógica da produtividade e dos resultados não é ajudar a construir um mundo diferente – é alinhar na forma de vida e de organização das nossas sociedades, é responder ao sistema com mais eficácia. Usar certas práticas apenas como maneira de sobreviver ao ritmo actual também não é uma forma de combater esta pressa asfixiante do mundo contemporâneo e de construir um sistema mais próximo das pessoas e do ambiente. Pode querer-se mais do que isso.

A desaceleração, o abrandamento, em todas as suas formas e extensões, seja nas empresas, no trabalho, na indústria, na produção e no consumo, na escola, no quotidiano, é uma consciência que começa a surgir, em algumas sociedades, movida sobretudo pelo ambiente.

Acredito nessa proposta de desaceleração, de abrandamento, em nome do planeta, de outro vagar, de outro lazer. Em nome também de menos pressão para o sucesso, para a produtividade, em nome de mais tempo livre, de menos resultados, de menos notas e rankings.

E acredito que essa proposta pode mudar muita coisa à nossa volta. É nesse sítio que poderia meditar ou dedicar-me a qualquer outra prática que nos mostre um mundo com outra respiração. Não quero ser mais produtiva, nem a melhor em nada.

Se praticar mindfulness ou meditar, não quero fazê-lo em modo turbo ou expresso, mas no tempo que me apetecer. No tempo vagaroso de um passeio a pé, de olhar para nada, de fazer nada, de me deitar ao lado da minha filha bebé e de ficar só a ouvir a respiração dela a dormir. Só isso. E isso é muito mais do que a filosofia do sucesso que contamina tudo em que toca. Até o que pode ser bom, como estas práticas.

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