Rui, não te sintas estúpido

Ser empresário em Portugal é ser alguém que tem tido uma grande capacidade de inovar, de investir e de crescer, onde a confiança dos agentes económicos atingiu máximos históricos.

“Sinto-me estúpido!”, foi este o desabafo do meu amigo Rui, empresário, concordando com o conteúdo de um artigo que há cerca de um ano foi publicado no Jornal de Negócios, no qual se referia que “é necessária uma dose elevada de estupidez para alguém ser empresário neste país”. Ora, como o Rui é relativamente bem informado (e nada estúpido, portanto), confesso que fiquei preocupado com o andamento dos seus negócios. Mas não era essa a razão, pois deu-me conta que os seus negócios prosperavam, exportando como nunca. Como é possível, então, que um empresário concorde com um diagnóstico em registo hiperbólico e com ele se identifique quando não corresponde à sua experiência vivida?

Comparando 140 países, Portugal situa-se na 34.ª posição no ranking dos países mais competitivos, de acordo com o Índice de Competitividade do Fórum Económico Mundial (2018), ascendendo à 14.ª quando a análise se circunscreve ao turismo. Portugal está também na 34.ª e na 25.ª posição dos rankings de 190 e 161 países constantes, respetivamente, do “Doing Business Report 2018/2019” e do “Best countries for doing business ranking”, publicados pelo Banco Mundial e pela Forbes (2019). No contexto dos países da OCDE (2017), Portugal constitui o 2.º país mais aberto para atração de investimento direto estrangeiro.

Um cínico tenderá a afirmar que uma coisa são relatórios que procuram descrever a realidade, outra é essa realidade. Mas a verdade é que empresas tecnológicas internacionais e outras têm vindo a escolher Portugal para investir em Centros Estratégicos, nomeadamente a Ericsson (Laboratório de Excelência na Área da Mobilidade), a Oracle (centro de inovação tecnológica para toda a área EMEA – Europa, Médio Oriente e África) a Cisco ou a Google (hub para a área EMEA também) ou a Microsoft Portugal, que no seu Centro de Suporte Internacional, em cerca de quatro anos, passou de 50 para 500 trabalhadores, servindo mais de 180 países. A estas decisões de investimento acrescentam-se outras, como a da Bosch, da Mercedes, da Siemens ou a recente escolha da Critical Software pela BMW para a constituição de uma joint venture destinada à “construção do carro do futuro”.

Mas um verdadeiro cínico não desarmaria e oporia esta dinâmica das empresas internacionais à das empresas portuguesas. Caracterizada pela preponderância de Pequenas e Médias Empresas (PME), a economia portuguesa, nos seus mais variados sectores de atividade, vem apresentando máximos históricos no valor das exportações, como nos têxteis e vestuário (5.3 mil milhões de euros, em 2018) ou na indústria agroalimentar e bebidas (cinco mil milhões de euros, em 2018) e, dentro desta, nos vinhos (803 milhões de euros, em 2018).

O turismo, a principal atividade exportadora, gerou, em 2018, 16,6 mil milhões de euros de receitas – o valor mais elevado de sempre, tendo crescido 45% entre 2015 e 2018, ao mesmo tempo que a rentabilidade dos capitais próprios das empresas cresceu de 3% (2015) para 13% (2017). O crescimento da atividade turística alargou-se a todo o território nacional, em especial nos territórios do interior, a partir também de políticas públicas, como, por exemplo, a linha de apoio à sua valorização turística.

Mas não é só de investimento que se desenvolve o interior. É também do reforço de competências e conhecimento. Um exemplo é a criação do Centro de Inovação em Turismo (para Portugal), que abriu as portas da sua sede no passado dia 18 de julho no interior do país – concretamente na Covilhã, uma cidade universitária, que é também um dos concelhos com maior procura turística do interior de Portugal continental.

Ser empresário em Portugal é ser alguém que tem tido uma grande capacidade de inovar, de investir e de crescer, onde a confiança dos agentes económicos atingiu máximos históricos.

Mesmo o melhor ou o pior dos cínicos, dependendo da perspetiva, teria dificuldade em afirmar que se atingiram estes resultados apesar de Portugal e dos portugueses. A nossa economia é o resultado de instituições, das nossas escolhas coletivas e de opções políticas. Num país obrigado a excedentes primários orçamentais para redução da dívida pública e dos seus encargos anuais, foi, ainda assim, possível dispor das mais variadas políticas públicas, como o Simplex, os Sistemas de Incentivos às empresas, iniciativas de promoção e captação de investimento ou de investimento público em I&D e melhoria do capital humano. Num contexto de consolidação orçamental, foi possível assegurar convergência real no contexto da União Europeia e redução do desemprego para níveis históricos. Dito isto, não podemos concluir que tudo corre excecionalmente bem. Temos desafios e há ainda muito a fazer.

Carlo M. Cipolla (1922-2000), historiador económico e professor universitário, qualifica as pessoas em quatro categorias, recorrendo a um plano cartesiano (cada quadrante corresponde a uma dada categoria): os inteligentes (Quadrante I), os ingénuos (Quadrante II), os estúpidos (Quadrante III) e os bandidos (Quadrante IV). Os inteligentes são os que estabelecem relações win-win. Os ingénuos são os que, ingenuamente, beneficiam os outros, prejudicando-se (lose-win). Os estúpidos são os que, estupidamente, prejudicam os outros e prejudicam-se a si próprios (lose-lose). Os bandidos ganham quando se relacionam com os outros, saindo estes a perder (win-lose). Acredito que somos coletivamente inteligentes, o que contraria a narrativa (infantil) de que se opõem os heróis aos vilões, o privado ao público, os jovens aos velhos, os empresários aos trabalhadores. Essa inteligência explica que sejamos, hoje, a 8.ª democracia mais avançada do Mundo, de acordo com o último relatório “Variety of Democracies” (V-Dem Institut, Universidade de Gotemburgo), o sistema político onde melhor convivem a prosperidade e a liberdade.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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