Kalaf Epalanga: “A Lusofonia ainda está nas mãos dos políticos, não está nas mãos das pessoas”

O músico e escritor angolano ficou entre os cinco mais vendidos na Festa Literária Internacional de Paraty.

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dro daniel rocha

O músico e escritor angolano Kalaf Epalanga disse que embora exista interesse dos leitores, não há uma troca horizontal da produção literária nos diferentes países de língua portuguesa.

Autor do livro Também os Brancos Sabem Dançar, publicado no Brasil pela editora Todavia e em Portugal pela editora Caminho, que ficou entre os cinco mais vendidos na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), Epalanga avaliou como muito positiva a sua viagem ao Brasil e falou sobre as diferenças de circulação literária produzida na comunidade lusófona.

“O espaço [da Lusofonia] existe, ou seja, nós todos nos comunicamos em português porque este espaço existe. Se esta troca é feita de forma horizontal isto já é outra conversa, ou feita de forma circular. [...] Eu acho que [a troca] não é feita de foram circular ou horizontal. Continua havendo hierarquias dentro deste espaço”, disse Kalaf Epalanga em entrevista à Lusa no âmbito da Flip.

O autor e músico, que vive entre Lisboa e Berlim, acrescentou: “Acho que a gente precisa de um tempo, para ter um reflexo directo daquilo que se quer, daquilo que conseguimos fazer dentro deste espaço e do que estamos a fazer de facto. Estamos falando de países muitos jovens, inclusive Portugal, a democracia portuguesa é muito jovem.”

“A democracia angolana vai chegar na adolescência agora. O mesmo [ocorre] no Brasil onde houve momentos, rasgos democráticos, mas nada concreto como o que está a ser vivido agora. [...] Estou falando isto porque a Lusofonia, da forma como ela é vivida, é um instrumento político”, completou.

Epalanga enfatizou que as trocas culturais e a circulação do trabalho de autores e seus livros nos diferentes países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) são balizadas mais em interesses políticos do que por si mesmas, facto que resulta numa certa desigualdade.

“[A Lusofonia] ainda está nas mãos dos políticos, não está nas mãos das pessoas, dos produtores de cultura, de quem faz cultura. Ainda são os institutos, instituições e ministérios que promovem e ditam o ritmo em que a Lusofonia tem que ser entendida”, explicou.

“Por isto ela não assenta. É quase um órgão estranho para quem produz cultura. Porque ela não é inclusiva, não olha para os locais mais fragilizados dentro deste espaço como a Guiné-Bissau, São Tomé [e Príncipe], com determinação. A Lusofonia olha para Angola, Brasil e Portugal”, acrescentou.

Para o autor, conhecido também por integrar os Buraka Som Sistema, a relação entre os oito países que adoptaram o Português como língua oficial deve transformar-se para funcionar como um instrumento de inclusão.

“A Lusofonia devia ser um instrumento de inclusão e não de políticas culturais ao lado do comércio. Não há nada de errada com o comércio, mas acho que precisamos encontrar algo que seja mais perto daquilo que nós somos realmente [neste espaço]”, concluiu.

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