Green New Deal: a resposta ecológica de uma esquerda eficaz e socialmente justa

Criticar o Green New Deal, apelando a revoluções que tardam, sem apresentar alternativas para lidar com a situação no imediato, é extremamente perigoso.

O Green New Deal é uma ferramenta importante para a transição ecológica e essencial para os desafios que temos pela frente enquanto comunidade.

No debate em torno deste Novo Pacto Verde, as críticas têm sido fáceis mas inconsequentes, das abordagens da revista Economist, às colunas de opinião do PÚBLICO – como o texto que o dirigente do Bloco de Esquerda, João Camargo, publicou recentemente. Embora concordemos com o diagnóstico e com a necessidade de fazer frente a um modelo de capitalismo produtivista, extrativista e mobilizado pela maximização do lucro, discordamos do tom derrotista e da falta de soluções apresentadas pelos críticos. A grande questão do nosso tempo consiste na necessidade de escolher uma estratégia para enfrentar e resolver as causas da crise ambiental, enquanto mitigamos os seus efeitos e nos adaptamos às consequências que já não conseguiremos evitar.

Assumindo a urgência de alterar o status quo, defendemos um Green New Deal como uma oportunidade para implementar um programa de promoção da justiça ambiental e da justiça social, assente em bases científicas sólidas, e cujo foco tem de ir muito além da transição energética e do combate ao declínio da biodiversidade.

Temos consciência de que muitas das causas da crise ambiental estão relacionadas com a atividade humana e emergem das dinâmicas geradas pela desregulação capitalista. Enfrentar a crise ambiental exige uma profunda reforma do sistema económico mundial e das teorias económicas vigentes. Exige, aliás, uma nova abordagem: pós-produtivista e pós-crescimentista, ou seja, o abandono do crescimento económico enquanto promotor exclusivo da atividade económica, em prol de um desenvolvimento ecológico e solidário baseado na igualdade e no bem-estar de todos no presente e no futuro. Contudo, enquanto esta nova abordagem não é implementada, exigem-se ações no imediato, lidando diretamente com a realidade como ela atualmente se apresenta. São muitas as ferramentas que se podem empregar e o Green New Deal é uma delas.

E o que pode o Green New Deal fazer?

Antes de mais, impõe-se um esclarecimento. A proposta de um Green New Deal surgiu nos partidos e movimentos ecologistas na Europa há mais de uma década. O LIVRE, o partido ecologista que representamos e pelo qual nos candidatamos às eleições legislativas de outubro, tem no seu programa político (o programa entregue ao Tribunal Constitucional e pelo qual o partido se rege) a defesa de um Green New Deal, desde 2014. Nas eleições europeias do passado mês de maio, esta era aliás uma das principais bandeiras da Primavera Europeia, movimento transnacional que agrupava partidos como o LIVRE, o MeRA25 de Yanis Varoufakis ou o Génération.s de Benoît Hamon. Por considerarmos que, no Conselho Europeu, Portugal pode e deve promover ativamente o Green New Deal, destacamos essa medida no programa eleitoral do LIVRE às eleições legislativas deste ano.

O Green New Deal é um grande plano de investimento público, na ordem de grandeza do New Deal original ou até maior – defendemos 500 mil milhões de euros anuais a nível europeu nos próximos cinco anos – e é não só uma necessidade para a descarbonização da economia como para as das bases de uma economia que deixe de estar assente na produtividade, no crescimento infinito e na acumulação de lucro. São aspetos centrais deste plano de investimento a criação das infraestruturas que promovam a transição da economia, o apoio aos mais vulneráveis no combate à pobreza energética através da melhoria da eficiência energética, a promoção de modos de mobilidade suave e ativa, a redução da extração de recursos naturais, a solidez da qualificação e da formação, a criação de empregos verdes, promovendo também maior coesão social e o aumento geral do bem-estar e da igualdade. Tendo em conta a escala em que temos de agir para combater a crise ambiental e os meios necessários para o conseguir, é importante salientar que nenhum país sozinho será consequente, tornando-se evidente a urgência de ter uma União Europeia verdadeiramente unida e democrática.

Um Green New Deal é também essencial para garantir que não se promove a justiça climática e a transição ecológica sem se promover a indispensável justiça social. Assente numa visão social da ecologia, defendemos que um Green New Deal sirva principalmente os que mais precisam e que mais sofrerão com as alterações climáticas, com os fenómenos climáticos extremos e com o colapso dos ecossistemas. E defendemos também que este programa seja financiado por aqueles que mais contribuem para o seu agravamento. Não é apenas uma questão de justiça: a reforma das indústrias com maiores impactes ambientais é urgente. Desta forma, este plano deverá ser financiado, por um lado, por taxação sobre o carbono e sobre a produção de resíduos e, por outro, através de dinheiro que neste momento está nos paraísos fiscais, na fuga ao fisco e planeamento fiscal agressivo, nos juros pagos ao eurossistema e através da reestruturação da dívida pública.

Criticar o Green New Deal, catalogando-o como produto de um capitalismo que se pretende eliminar, apelando a revoluções que tardam, sem apresentar alternativas para lidar com a situação no imediato e sem salvaguardar o contexto de desigualdade em que nos encontramos, para além de inútil, é extremamente perigoso. Já nos anos 80 do século passado André Gorz alertava para os riscos do eco-autoritarismo e da tecnocracia, defendendo um modelo de ecologia política radical e democrático. É nesse modelo que nos revemos, razão pela qual o Green New Deal que defendemos tem associadas muitas outras alterações sistémicas que respondem e fazem frente a um modelo de capitalismo do qual discordamos.

Desde sempre, defendemos o aprofundar dos processos democráticos e de participação cidadã, para que a opinião de todas e de todos seja tida em conta. Esta participação é essencial pois a definição de um novo modelo de sociedade, mais igualitária e sustentável ecologicamente, apenas será verdadeiramente democrática se contar com a participação e os contributos dos seus membros. Os locais e as ferramentas para essa participação devem ser criados e promovidos, sendo bons exemplos as Assembleias Cidadãs existentes noutros países, como na República da Irlanda.

Essa participação, no entanto, precisa de cidadãos com mais tempo livre. E é também por isso que defendemos uma visão da economia pós-produtivista, assente no setor cooperativo e mutualista, onde o aumento da produtividade sirva para reduzir o tempo laboral. Retirando a centralidade ao emprego remunerado, os cidadãos terão mais tempo disponível para si e para se envolverem nos processos democráticos das suas comunidades, bem como menos pressão para fazerem parte do modelo consumista imposto pelo neoliberalismo. A redução do horário laboral e a passagem para um modelo diferente de sociedade é pois uma urgência social e ambiental.

A transição para este modelo exigirá coragem por parte dos cidadãos e dos representantes políticos. Mas não nos enganemos: não será pela via do medo que conseguiremos reunir as forças para promover esta tão necessária mudança. Pelo contrário, apenas sendo ambiciosos, percebendo que esta transição é uma oportunidade de uma vida melhor, assegurando a participação de todas e todos e propondo um conjunto de medidas radicais e realizáveis – como o Green New Deal – conseguiremos vencer o medo e construir um futuro melhor.

Joacine Katar Moreira é historiadora e cabeça de lista do LIVRE por Lisboa; Carlos M.G.L. Teixeira é biólogo e candidato número dois do LIVRE por Lisboa; Jorge Pinto é engenheiro do ambiente e cabeça de lista do LIVRE pelo Porto; Ana Raposo Marques é médica e cabeça de lista do LIVRE por Setúbal

Sugerir correcção
Ler 2 comentários