Herberto Helder como nunca viu (ou ouviu)
A mais completa exposição sobre o autor madeirense faz casa no Funchal até meio de Setembro. Oportunidade para (re)visitar Herberto Helder: a obra e a vida.
Herberto Helder – por sobre as águas. A exposição biobibliográfica sobre o poeta madeirense, que abre as portas esta quinta-feira no Funchal, reúne todas as primeiras edições do conjunto de cerca de quatro dezenas de títulos em poesia e em prosa da obra de Herberto, publicadas entre 1958 e 2018.
A mostra, que estará patente até 18 de Setembro na Casa Museu Frederico de Freitas, revela também fotografias inéditas de Herberto Helder (1930-2015), e correspondência particular entre o poeta e alguns nomes maiores da cultura nacional como Sophia de Mello Breyner, Eduardo Prado Coelho ou Eduardo Lourenço.
Pela primeira vez, destaca ao PÚBLICO Diana Pimentel, curadora da exposição, estará acessível o conjunto das cinco entrevistas dadas entre 1959 e 1968 e uma auto-entrevista feita em 1987. “Revelam, de certa forma, como Herberto Helder foi lido e interpelado à época, dando a possibilidade aos seus leitores de poderem — pela sua própria voz — compreender a lucidez, o desassombro e a ironia que Herberto Helder sempre teve no contexto da poesia portuguesa contemporânea.”
Ao longo da exposição sobre a vida e obra do autor de Os Passos em Volta ou Photomaton & Vox, são documentadas factos “pouco conhecidos do público em geral”, como a apreensão, em 1968, do livro Apresentação do rosto.
“Autobiografia do autor, que é de índole esquerdista, escrita em linguagem surreal e hermética que como obra literária não mereceria qualquer reparo se não apresentasse passagens de grandes obscenidades (…) Nestas condições entendo que é de propor a proibição de Circular no País para este livro”, lê-se num relatório da PIDE em Junho de 1968, que integra o acervo da exposição.
Em Herberto Helder – por sobre as águas é “visível e legível” a forma “activa e dedicada” com que colaborou com inúmeras edições de antologias, cadernos e revistas literárias entre os anos 50 e 70 do século passado no Funchal, em Lisboa, em Coimbra e em Paris. “É a travessia, também por sobre as águas, da sua poesia pelas artes plásticas (pintura, escultura, fotografia) ou pelo cinema, num diálogo tão antigo quanto actual”, assinala Diana Pimentel, coordenadora do Núcleo de Estudos Herberto Helder, da Universidade da Madeira, explicando que os visitantes podem aceder a materiais multimédia: registos áudio de poemas lidos pelo próprio, documentários, reportagens e adaptações digitais do trabalho do autor.
A exposição, a mais completa sobre o autor, que cultivou “a ética de um rigoroso silêncio” sobre o ofício de escrever, é promovida pela Secretaria Regional do Turismo e Cultura, integrada nas comemorações dos 600 anos do descobrimento da Madeira e do Porto Santo, e constituiu uma oportunidade de contactar com o projecto artístico inédito de Filipa Cruz (Até Os Tempos Não Mais Serem Interditos), que procura pensar a poesia de Herberto Helder enquanto comentário à materialidade e à imaterialidade.
“O propósito maior desta exposição talvez seja o de acompanhar os leitores (iniciais ou experientes) da prosa e da poesia de Herberto Helder pelas inúmeras águas por e sobre as quais a sua obra se abre, continuamente, e se expande — e expandirá”, resume Diana Pimentel, admitindo o espanto contínuo ao montar a exposição. “Mesmo que já estudando a sua obra há algum tempo, ainda me continua a surpreender a intensidade e a potência do seu trabalho de escrita, o extremo rigor do seu ofício poético (e editorial) e o modo como a obra de Herberto Helder, em interacção com os seus contemporâneos e com gerações anteriores e posteriores à sua, se não acomodou — nem está, ainda, acomodada — a um tempo.”