O Governo volta a guinar para o centro

António Costa recusou desde a primeira hora um código laboral marcado pela esquerda. Será isto uma deriva à direita?

Esta terça-feira, a dado passo dos trabalhos no grupo dedicado a analisar alterações ao código laboral, a deputada do PS Wanda Guimarães largou este desabafo: “Lamento que qualquer voto contra seja recebido com espanto.” Quem tem seguido de perto o entendimento conseguido em questões sensíveis, como a Saúde, pelo PS, pelo Bloco e PCP, pode de facto sentir estranheza. Numa matéria tão cara ao ideário da esquerda como as regras do trabalho, o PS e o Governo ficaram mais perto dos patrões e dos partidos da direita (e também da UGT) do que dos seus parceiros. Mais: algumas medidas da era da troika passaram incólumes após um ano de discussão.  

Uma moral da história é evidente – o Governo ora guina para a esquerda, ora regressa sem drama ao centro. Ora concede aos funcionários públicos uma semana de 35 horas, ora se junta ao PSD e ao CDS para chumbar mudanças que implicavam a redução dos horários no trabalho por turnos ou recusa aos trabalhadores despedidos novos meios para contestar em tribunal o seu despedimento. Esta flexibilidade é o segredo de Costa. Alguns usarão esse dom para provar o seu suposto génio político. Outros, na oposição, dirão que tanto golpe de rins não passa de habilidade e artifício.

Há nessa latitude do Governo um padrão. O que a história do défice mostrava e a vontade de manter calmo o empresariado confirma é o empenho de António Costa em conservar Portugal dentro da ortodoxia europeia que define os países confiáveis. Estar no radar da disciplina fiscal e na órbita das políticas para a competitividade revelou-se uma obsessão. Nem tudo o que a troika trouxe se foi embora com a saída limpa. Os empresários, que não tiveram reformas e passaram ao lado das prioridades da legislatura, querem essa disciplina. Querem ter regras laborais ajustadas aos padrões europeus e, sob os auspícios da Concertação, o PS não se incomoda em trocar de parceiros para os satisfazer.

Não há, por isso, grandes razões para “espanto” com esta aproximação ao centro. António Costa recusou desde a primeira hora um código laboral marcado pela esquerda. Será isto uma deriva para a direita? Pode ser, e é, a confirmação de que em matérias que mexam com as regras da economia o PS dá mais razão ao PSD que ao Bloco. Mas há aqui também episódios de uma história velha. Há muito que os partidos da família socialista puseram de lado a luta de classes para que os privados lhes concedam o que tanto precisam: riqueza para distribuir. A saga do código laboral foi mais um desses episódios. E é sem dúvida o retrato do que seria o PS sem as “aventuras” dos seus actuais parceiros.  

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