Ryan Gauld ainda vai a tempo de valer ouro?

Cinco anos depois de ter chegado a Portugal, o escocês desvinculou-se do Sporting e vai prosseguir a carreira no Farense, da II Divisão portuguesa.

Foto
Gauld numa das raras aparições pela equipa principal do Sporting PEDRO BENAVENTE/WAPA/NFACTOS

No futebol mundial, já é quase impossível um talento jovem passar despercebido. O “scouting” já está demasiado desenvolvido para que tal aconteça. E, por isso, a estreia de Ryan Gauld, aos 16 anos e quatro meses, na primeira equipa do Dundee United, equipa da Premier League escocesa, colocou-o no radar. O seu desenvolvimento passaria a ser monitorizado. Pelo seu físico (baixo e franzino) e pela sua habilidade com o pé esquerdo, chamaram-lhe o “Mini Messi” escocês, uma alcunha excessiva a colocar a expectativa em patamares impossíveis.

Em 2014, o Sporting chegou-se à frente com 3,5 milhões de euros e Gauld, que supostamente tinha equipas como o Manchester United interessadas, escolheu o Sporting. Cinco anos depois, aquele a quem chamaram Messi desvinculou-se do Sporting e vai dar continuidade à sua carreira noutra equipa que tem um leão no emblema, o Sporting Clube Farense.

Ryan Gauld ainda só tem 23 anos, mas já leva meia década no futebol português. Garantem fontes próximas do jogador que, na cabeça do escocês, não há qualquer arrependimento na mudança da Escócia para Portugal. “Não, de todo. Ele adora Portugal, o futebol e o estilo de vida”, diz uma pessoa que o conhece bem. E que “está feliz” com a perspectiva de ir jogar para a II Divisão portuguesa, agora sem qualquer vínculo ao clube que foi a sua porta de entrada em Portugal. Gauld, na verdade, só precisa de continuidade e de minutos, algo que nunca teve em grandes quantidades nos últimos cinco anos.

O Sporting apresentou-o como uma aposta de futuro a 2 de Julho de 2014. Tirou a fotografia habitual com o então presidente Bruno de Carvalho entre imagens de Luís Figo e Cristiano Ronaldo, e era neste ambiente onde cresceram dois futuros Bolas de Ouro que o jovem escocês queria aprender. Os 3,5 milhões que o Sporting pagou faziam dele, à altura, a contratação mais cara na gestão de Bruno de Carvalho, um investimento que podia até dar rendimento imediato no plantel principal às ordens de Marco Silva, mas iria, sobretudo, cumprir uma fase de adaptação na equipa B – havia muitos projectos destes no Sporting que também acabariam por fracassar, como o francês Naby Sarr, o egípcio Ramy Rabia ou o búlgaro Slavchev.

Fez a pré-época com Marco Silva, mas andou, sobretudo, na formação secundária. Teve uma utilização episódica na equipa principal que teve o seu ponto alto num jogo da Taça da Liga (competição em que o Sporting fazia questão de jogar com jogadores da equipa B e da formação) frente ao Belenenses, no Restelo. O escocês marcou dois golos em 19 minutos num jogo em que os “leões” acabariam por perder (3-2) – fez um total de cinco jogos na equipa principal, dois como suplente utilizado no campeonato, três como titular na Taça da Liga. Esta foi a única época em que jogou na equipa principal do Sporting.

Nas três seguintes, Jorge Jesus nunca contou com ele. Em 2015-16, andou pela equipa B, em 2016-17 passou a primeira parte da época emprestado ao Vitória de Setúbal (onde chegou a ter algum protagonismo), regressando de urgência depois de um desentendimento entre os dois clubes. Na época seguinte rumou ao Desportivo das Aves e, na época passada, foi duas vezes cedido, primeiro ao Farense, depois ao Hibernians, de Edimburgo. Parecia que Ryan iria finalmente ter continuidade, mas lesionou-se e acabou por jogar pouco. “Causou uma óptima impressão no Hibs e, se não se tivesse lesionado, teria sido um jogador muito importante”, refere a mesma fonte.

É de estabilidade que Ryan Gauld vai à procura no Sporting algarvio, que lhe definiu a cláusula de rescisão mais alta da história do clube – quatro milhões de euros. “Não penso que tenha ido demasiado novo para Portugal. Ainda é novo, mas precisa de jogar. Não tem estado tempo suficiente no campo desde que foi para Portugal”, diz ao PÚBLICO Richard Winton, jornalista da BBC Escócia, vendo ainda em Gauld um jogador com potencial para ser importante na selecção escocesa (ainda não tem qualquer internacionalização A), há muito afastada das grandes competições internacionais – não vai a um Europeu desde 1996 e a um Mundial desde 1998. “Tem técnica e visão de jogo que são superiores à maioria dos jogadores escoceses. Por isso, haverá sempre espaço para ele”, acrescenta Winton.

Se Gauld teve poucos minutos de jogo nos últimos cinco anos, pelo menos parte do objectivo foi cumprido, o da aprendizagem. “Aprendi muito, dentro e fora do campo. Ainda bem que decidi arriscar, não mudaria nada. Acho que aprendi muito tacticamente, mais do que qualquer outro aspecto”, referia Gauld em declarações ao canal do Hibs. Na mesma altura, numa entrevista ao Edinburgh News, Gauld falou das expectativas estratosféricas que despertou e do incómodo nas comparações com Lionel Messi. “Foi logo desde o primeiro dia. Ia beber um café e começavam logo a chamar ‘Mini-Messi’, ‘Mini-Messi’. Nem sequer sabiam que eu me chamava Ryan”, contou. Mas Gauld nunca teve urgência em cumprir os patamares impossíveis que outros estabeleceram: “Tive uma ascensão rápida no Dundee United e assinei pelo Sporting. Isso criou enormes expectativas, mas eu sabia que não ia ser bem assim. Tive sempre os pés assentes na terra e trabalhei no duro, na esperança de dar a mim próprio a melhor carreira possível.”

Sugerir correcção
Comentar