Morreu o escritor italiano Andrea Camilleri, criador do comissário Montalbano

Foi professor, guionista, director de teatro. Começou a escrever tarde, mas deixou mais de 100 obras publicadas — dezenas delas dedicadas ao famoso detective Montalbano. O escritor siciliano tinha 93 anos e estava internado há um mês.

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LUSA/CLAUDIO PERI

O escritor italiano Andrea Camilleri morreu nesta quarta-feira, aos 93 anos, depois de ter sido internado há um mês em Roma na sequência de uma paragem cardíaca, avança a Efe. O autor é conhecido pelos seus livros (sobretudo policiais), como O Cheiro da Noite, A Voz do Violino ou O Cão de Terracota — e foi o criador do famoso comissário ficcional Montalbano, que vendeu livros por todo o mundo e deu origem a uma série televisiva transmitida em mais de 60 países, incluindo Portugal. 

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Camilleri nasceu em Porto Empedocle, na Sicília (Itália), em 1925. Ainda que tenha começado a publicar romances tardiamente, tornou-se um fenómeno literário e de popularidade com os seus romances policiais. Antes de se dedicar a escrevê-los (por volta dos seus 60 anos), Andrea Camilleri trabalhou toda a sua vida como professor, director de teatro e guionista.

Muitas das suas obras giram em torno do detective Salvo Montalbano, uma personagem cujo nome serve de homenagem ao escritor catalão Manuel Vásquez Montalbán, que trabalha na cidade imaginária de Vigàta — em muito semelhante a Porto Empedocle, que tem sido um chamariz para os turistas nos últimos anos. Camilleri publicou o seu primeiro livro quando tinha 53 anos, mas o reduzido sucesso da obra fez com que deixasse de escrever durante anos. Só tornaria a fazê-lo já perto dos seus 70 anos, em 1994, com o primeiro romance em que introduz o comissário Montalbano, chamado A Forma da Água.

Como escrevia Eduardo Dâmaso na apresentação do livro Cheiro da Noite, que foi publicado na colecção Mil Folhas (do PÚBLICO), “não há nada mais óbvio do que escrever bons romances policiais no país da máfia e que mais simboliza a gestão implacável de tudo o que é razão de Estado na segunda metade do século XX”.

As três dezenas de obras com Montalbano no centro da trama venderam mais de 30 milhões de exemplares por todo o mundo e o autor sempre quis manter os líderes da máfia em segundo plano: “Não é por ter medo deles. Mas acredito que escrever sobre mafiosos, por vezes, faz deles heróis. Estou a pensar no caso de O Padrinho, em que a performance sublime de Marlon Brando nos distrai do entendimento de que ele encomendou assassínios. E não tenho quaisquer intenções de fazer essa oferta à máfia.”

As suas narrativas foram traduzidas em 32 línguas e serviram de base à adaptação televisiva do comissário Montalbano, por parte da italiana Rai TV (em 1999), que se tornou também um fenómeno de sucesso em França, no Reino Unido, nos Estados Unidos, na Austrália ou na Alemanha, exibida num total de 65 países. Em Portugal, a série foi transmitida na RTP. 

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Andrea Camilleri em 2010, depois de votar ALESSANDRO DI MEO/EPA

O escritor italiano foi perdendo a visão nos últimos anos, mas em 2017 afirmava que nunca tinha visto com tanta clareza: “Sou cego, mas perder a vista fez com que todos os meus outros sentidos ganhassem vida”. “Vieram em meu auxílio. A minha memória melhorou, e eu lembro-me de mais coisas do que antes, com muito mais lucidez, e ainda escrevo.”

O escritor fez parte do Partido Comunista italiano e criticava abertamente o antigo primeiro-ministro Silvio Berlusconi, assim como o actual vice-primeiro-ministro e líder do partido de extrema-direita e anti-imigração Liga, Matteo Salvini, que lhe fazia lembrar “um membro do regime fascista”

Numa das mais recentes adaptações televisivas do comissário Montalbano, exibida em Fevereiro deste ano nas televisões italianas, há uma mensagem a favor dos migrantes que arriscam as suas vidas no Mediterrâneo: o detective salta ao mar para tentar resgatar o corpo de um migrante requerente de asilo, afogado. 

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