Filho de ex-presidente moçambicano vai continuar preso

Supremo Tribunal negou habeas corpus a quatro arguidos do caso das dívidas ocultas. Sociólogo moçambicano critica pressão que vai fazer com que ex-ministro das Finanças seja deportado para os EUA.

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Tribunal diz que o filho do ex-presidente Armando Guebuza não pertencia aos serviços secretos e que os crimes de que é acusado são comuns LUSA

O caso das dívidas ocultas de Moçambique continua a agitar a vida política e social moçambicana a poucos meses das eleições. Esta segunda-feira, o Tribunal Supremo negou os pedidos de habeas corpus de quatro arguidos no processo, detidos preventivamente, entre eles, o filho do ex-Presidente Armando Guebuza, Ndambi Guebuza.

A defesa de Ndambi Guebuza defendia que este, por pertencer aos serviços secretos, deveria aguardar o desfecho do processo em liberdade, o que o tribunal não considerou relevante: primeiro porque no seu entender Guebuza nunca fez parte dos quadros de qualquer dos órgãos de inteligência do Estado; segundo, é acusado de crimes comuns, não beneficiando dessa protecção legal.

O filho do ex-Presidente é um dos dez arguidos que estão em prisão preventiva aguardando o julgamento do processo. Das pessoas que foram constituídas arguidas não consta o ex-ministro das Finanças Manuel Chang. Essa foi uma das razões evocadas, no sábado, pelo novo ministro da Justiça sul-africano, Ronald Lamola, para travar o processo de extradição do político, que goza de imunidade parlamentar por ser deputado, imunidade cujo levantamento não foi pedido pela Procuradoria-Geral da República moçambicana.

Uma derrota para a procuradoria que deixa caminho aberto para a extradição de Chang (ministro das Finanças nos dois mandatos de Guebuza) para os Estados Unidos, país que emitiu o pedido de captura internacional que levou à sua detenção em Dezembro.

“Por muito boa vontade que o governo sul-africano tenha em respeitar os tratados regionais, as autoridades moçambicanas parecem ter feito um mau trabalho”, diz ao PÚBLICO o sociólogo moçambicano Elísio Macamo. Para o professor de Estudos Africanos na Universidade de Basileia, é uma decisão “compreensível e consequente” de Pretória, tendo em conta os “erros graves” cometidos pela procuradoria, ao pedir a extradição sem dar “os devidos passos” para sustentar esse pedido.

Os EUA querem julgar Chang pelos avales secretos dados pelo anterior Executivo, num total de quase dois milhões de euros, a empresas públicas de pesca e segurança marítima, que acabaram a aumentar a dívida pública moçambicana. E agora parece que vão mesmo fazê-lo, o que para Elísio Macamo é mau para o seu país.

“Chang tem que ser julgado em Moçambique porque precisamos de saber o que realmente aconteceu para podermos consertar o que está errado”, refere, criticando o Fórum de Monitoria do Orçamento, que congrega 19 organizações da sociedade civil moçambicana, por ter apresentado a petição contra a extradição de Chang para Moçambique que levou Lamola a agir.

“Não percebo o sentido que faz ir a um outro país fazer campanha para que um compatriota que, alegadamente, cometeu crimes económicos em Moçambique seja extraditado para os EUA. Se as nossas instituições de justiça não funcionam, é do interesse da sociedade civil que elas funcionem; se não há acusação em Moçambique, é do interesse da sociedade civil que haja”, sublinha.

Para Macamo, “quem vai estar na estar na barra do tribunal lá nos EUA não é apenas Chang, mas sim todo o país” e não se permite confrontar todo um sistema financeiro internacional “fortemente viciado contra países” como Moçambique. Porque, “parte do erro que essas dívidas ocultas foram, tem a ver com o funcionamento da indústria do desenvolvimento”, explica, logo “deixar que ele vá aos EUA é passar por cima desses desequilíbrios”.

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