A paróquia rebelde fez as pazes com Igreja madeirense

Bispo do Funchal subiu à Ribeira Seca para levar Abril à paróquia rebelde do “padre vermelho” da Madeira.

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O bispo D. Nuno Brás e o padre Martins Júnior Homem de Gouveia/Lusa
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Homem de Gouveia/Lusa

Estamos na Ribeira Seca e é domingo. Não um domingo qualquer. Há 42 anos que um bispo do Funchal não sobe à paróquia da Ribeira Seca, na encosta Leste de Machico, a segunda cidade da Madeira. Subirá hoje.

“Será Abril renovado”, escreveu Martins Júnior, uns dias antes, no blogue Senso & Consenso, que vai alimentando regularmente com reflexões pessoais e, amiúde, comentários políticos. “O povo da Ribeira Seca aguentou firme e resoluto um ostracismo que durou mais que os quarenta anos do cativeiro do Egipto”, acrescentou o padre, que à revelia da Igreja madeirense se manteve firme à frente da paróquia da Ribeira Seca, depois de ter sido suspenso a divinis em Junho de 1977 pelo bispo de então, D. Francisco Santana, por se recusar a entregar o controlo da igreja à diocese.

O PSD de Alberto João Jardim, o grande adversário político de Martins Júnior, colou-lhe o nome de “padre vermelho”. Não se importou. Por duas vezes, uma logo em 1977 e outra já em 1985, resistiu à polícia que cercou a igreja da Ribeira Seca, cujas chaves eram exigidas pelo bispo D. Teodoro de Faria, que substituiu D. Francisco Santana no Paço Episcopal do Funchal. Por duas vezes foi presidente da Câmara Municipal de Machico (1989 pela UDP e, quatro anos, depois pelas listas do PS). Foi deputado no parlamento regional pelos mesmos dois partidos de 1976 a 2005 (interrompeu o mandato durante o período em que foi autarca) e feito comendador em 1995 por Mário Soares.

Foi tudo isso durante quatro décadas e durante quatro décadas foi um constrangimento para as autoridades religiosas da ilha, que conhceu nesse período quatro bispos. Depois de D. Francisco Santana, veio D. Teodoro de Faria e depois D. António Carrilho - e o impasse manteve-se. A Ribeira Seca não era reconhecida pela Igreja madeirense e Martins Júnior, mesmo suspenso, mesmo sem integrar a estrutura eclesiástica, continuou a presidir a cerimónias religiosas.

Em Fevereiro desde ano, quando D. Nuno Brás aterrou na ilha, prometeu olhar para os casos pendentes. Cumpriu. Em Junho, revogou a suspensão a divinis – a versão oficial é que as “razões primeiras que levaram à aplicação e manutenção dessa pena deixaram de existir” – e nomeou o padre Martins administrador da paróquia da Ribeira Seca. Função que, na prática, ele nunca deixou de desempenhar.

Na altura, D. Nuno Brás prometeu ir à Ribeira Seca, na Festa Santíssimo Sacramento. Cumpriu este domingo. Quando chegou, tinha um Martins Júnior de braços abertos a recebê-lo e a uma multidão a aplaudi-lo.

Agora, quando faltam 20 minutos para as cinco a igreja já está cheia. Lá dentro, não cabe nem mais uma alma. Lá fora, no adro decorado com arcos de flores e bandeiras coloridas, arrumam-se bem mais de uma centena de pessoas, de olhos fixos no ecrã gigante que vai transmitir a cerimónia religiosa.

O bispo sai por uma porta lateral para entrar em cortejo na igreja. Mais aplausos e aplausos. Ao lado do prelado, como convidados de honra de Martins Júnior, vão os padres José Luís Rodrigues e Mário Tavares. Outras duas vozes incómodas da Igreja madeirense que foram dos poucos aliados que Martins Júnior teve, durante as décadas que esteve suspenso.

Logo no início da cerimónia, o padre Martins haveria de lembrar-se de ambos. “Peço uma salva de palmas para os dois”, disse, depois de falar na “travessia no deserto” que a aquela comunidade teve que fazer. “Nunca nos sentimos deserto”, ressalvou, destacando a firmeza e a alegria da reconciliação com a diocese. Antes, D. Nuno Brás tinha confessado a vontade enorme de “celebrar a eucaristia” na Ribeira Seca. “Desde que cheguei à Madeira, pedia a Deus esta graça”, afirmou o bispo madeirense.

No final da cerimónia, seguiu-se a Procissão do Senhor, com um bispo, quatro décadas depois, a voltar a percorrer a paróquia da Ribeira Seca. A fechar o cortejo, a banda que antes da missa andava por ali no adro, a tocar a Bella Ciao.

Haverá festa depois. No palco junto à igreja, onde o padre Martins costuma tocar acordeão, vão-se ouvir canções como aquela que cujas vozes diziam, através das colunas, antes de a missa começar: “Bem se desejou e esperou por este dia”.

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