Carrie Lam quis demitir-se devido aos protestos em Hong Kong. China não deixou

Perante a mobilização nas ruas, a chefe do executivo declarou “morta” a lei da extradição. Mas percebeu que o motivo dos protestos, e a desconfiança dos que se manifestam, já vai muito além de um projecto de lei.

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Cartazes contra Carrie Lam na manifestação deste domingo JEROME FAVRE/EPA
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TYRONE SIU/Reuters

A chefe do executivo de Hong Kong, Carrie Lam, ofereceu a demissão várias vezes devido aos protestos no território, mas Pequim recusou, noticia o Financial Times, na edição deste domingo, dia de novas manifestações.

Os protestos, os maiores desde que Hong Kong passou para administração chinesa há 22 anos, foram motivados pelo projecto de lei da extradição, que abre caminho a que suspeitos sejam enviados para a China continental para serem julgados, o que muitos consideram ser um mecanismo para controlar a oposição. Mas a população acrescentou outras reivindicações aos protestos, nomeadamente a cada vez maior interferência de Pequim no território governado no modelo “um país dois sistemas”. Querem a demissão de Lam e a sua responsabilização pela violência usada contra os manifestantes.

Pequim nega qualquer interferência nos assuntos internos de Hong Kong.

Depois de terem estado dois milhões de pessoas na rua numa só manifestação, e de um assalto ao parlamento, Lam quis demitir-se várias vezes - uma das reivindicações dos manifestantes -, mas segundo duas fontes ouvidas pelo Financial Times, Pequim insiste que a chefe do governo “tem que ficar e resolver a confusão que criou”.

“Mais ninguém pode resolver esta confusão e também mais ninguém quer o lugar”, disseram as fontes.

No sábado, um protesto junto da cidade fronteiriça de Shenzhen contra o que os habitantes consideram ser uma invasão de pequenos comerciantes da China Continental gerou confrontos com a polícia.

Este domingo, dezenas de milhares de pessoas manifestaram-se em Sha Tin, entre Hong Kong e a fronteira com a China Continental, e à noite, bloquearam uma grande avenida, posicionando-se frente à polícia de choque mobilizada para o local. Houve confrontos.

“Hoje em dia não temos qualquer confiança na China, por isso saímos a rua”, disse à Reuters Jennie Kwan, de 73. “Eles não nos prometeram 50 anos de liberdade, que nada mudava? Mas estamos a ver todas estas mudanças. Eu já tenho setenta e tal anos, sei pouco de política, mas a política vem até mim”, explicou.

A crise pôs em causa, mais uma vez, a viabilidade do modelo “um país, dois sistemas” com que Hong Kong tem sido governado desde que foi entregue pelo Reino Unido, em 1997, e que se aplica também a Macau, território devolvido por Portugal a 20 de Dezembro de 1999.

Os tratados de transferência garantiam autonomia dos sistemas político e jurídico durante 50 anos, o que, diz uma análise da Reuters, significa que os chefes dos executivos, escolhidos entre pessoas nomeadas por Pequim (o que motivou grandes protestos em Hong Kong em 2014), tem grandes dificuldades em equilibrar os interesses locais com os da China Continental.

O percurso dos três anteriores chefes de governo de Hong Kong acabaram mal. Tung Chee-hwa, o primeiro depois da transição, demitiu-se em 2005 depois de meio milhão de pessoas terem protestado contra a lei anti-subversão e de o Governo de Pequim ter criticado publicamente a sua prestação. Donald Tsang, que lhe sucedeu, tornou-se o primeiro alto dirigente a ser preso em Hong Kong por irregularidades de conduta. CY Leung cumpriu apenas um mandato, não os dois previstos, depois do movimento pró-democracia de 2014, que ficou conhecido como Revolução do Guarda-Chuva, ter paralisado o território durante 79 dias, devido ao modelo de escolha do chefe do governo, eleito de entre um grupo determinado por Pequim e não em eleições democráticas.

Carrie Lam, perante a contínua mobilização das ruas, anunciou que a lei da extradição “está morta”, mas percebeu que o motivo dos protestos, e a desconfiança dos que se manifestam, já vai muito além de um projecto de lei.

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