Nova Deli, a capital onde os ricos regam a relva e os pobres lutam por uma gota de água

O calor aperta mas a água é rara, e cara, devido à má gestão, à corrupção e aos gangues que controlam poços e camiões cisternas. O risco é nacional: várias cidades do país podem ficar sem água em 2020. Mas só agora o Governo lançou uma campanha de conservação e reutilização da água.

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À espera do camião da água em Nova Deli Adnan Abidi/Reuters
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O rio Yamuna que passa por Nova Deli, está bastante seco HARISH TYAGI/EPA
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A população mais carenciada é abastecida com camiões cisterna PIYAL ADHIKARY/EPA
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A água é sobretudo tarefa das mulheres e crianças Adnan Abidi/Reuters
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A água de algumas bombas e poços comunitários está contaminada PIYAL ADHIKARY/EPA

Nesta fervilhante cidade de mais de 20 milhões de pessoas, uma seca que se agrava a cada dia está a amplificar a desigualdade entre os indianos mais ricos e a população pobre.

Os políticos, funcionários públicos, funcionários de grandes empresas e lobistas que vivem em boas casas e apartamentos no centro de Nova Deli têm acesso ilimitado a água canalizada – para as suas casas de banho, cozinhas, para lavarem os carros, os cães ou regarem os seus relvados. Conseguem fazer tudo isto por dez ou 15 dólares por mês.

Mas entre-se num dos bairros de lata no centro da cidade ou num dos gigantes e desorganizados bairros das periferias e assiste-se a uma luta diária para conseguir e pagar por uma muito limitada quantidade de água, que é fornecida por camiões cisterna e não por canalizações. E o preço está a subir, à medida que os fornecimentos escasseiam.

A crise da água na Índia não é para todos – a elite de Deli e de outras zonas do país não é afectada, enquanto os pobres têm que a disputar diariamente.

A residência do primeiro-ministro Narendra Modi e de todos os membros do Governo situam-se no centro de Deli, assim como as da maior parte dos deputados. O que talvez ajude a explicar porque só na semana passada Modi tenha falado num programa de conservação da água e do seu reaproveitamento, a primeira iniciativa de peso do Governo apesar de anos de alertas sobre os reservatórios secos e o baixo nível das bacias hidrográficas e das reservas subterrâneas, dizem políticos e especialistas em água. 

Amar Nath Shukla, vendedor da Telecom que vive num gigantesco aglomerado de casas ilegais no sul de Deli, diz que paga actualmente 700 rupias (cerca de nove euros) a um pequeno camião cisterna que leva água à sua família composta pela mulher e três crianças em idade escolar – dois mil litros de água, a cota a que têm direito semanalmente.

Há um ano Shukla conseguia pagar dois camiões cisterna ferrugentos por semana, por 500 rupias cada, mas além do racionamento o preço subiu. “Por que razão uma zona tão densamente povoada tem direito a tão pouca água quando o centro de Nova Deli, muito menos povoado, recebe fornecimentos extra?”, pergunta.

Mais de 30 residentes do bairro de Sangam Vihar com quem a Reuters falou também se queixaram da qualidade da água que recebem.

 “Até ao ano passado bebia água vendida por fornecedores locais mas fiquei doente e o medico mandou-me beber água engarrafada, que são produzidas pelas grandes empresas”, disse Dilip Kumar Kamath, de 46, exibindo um papel do médico que fala de dores abdominais e uma infecção no estômago.

Gangues e corrupção

Os principais bairros de Deli e os quartéis recebem cerca de 375 litros de água por pessoa por dia. Mas os residentes de Sangam Vihar recebem em media apenas 40 litros por dia para cada pessoa. A água vem de poços e de cisternas na alçada do departamento de água da cidade, que pertence ao governo municipal.

Mas os habitantes denunciam que alguns poços foram tomados por operadores privados associados a gangues e a políticos locais. Os gangues têm um papel importante na gestão dos camiões cisterna privados, que são todos ilegais, o que deixa a população à mercê da especulação dos preços.

Tudo isto acontece num momento em que a temperatura, assim como a procura de água, estão a subir. Há 26 anos que a temperatura não subia tanto em Nova Deli, chegando em aos 48 graus Celsius no dia 10 de Junho.

A chuva da monção chegou à capital na quinta-feira da semana passada, com mais de uma semana de atraso, e não passou de um chuvisco.

A maior parte dos operadores de cisternas da cidade bombeiam rapidamente e ilegalmente os poços, ou roubam a água nas reservas municipais, denunciam vários estudos do governo. Em Deli, quase metade da água do departamento de água é roubada com a conivência dos funcionários municipais ou através de furos feitos nas condutas, dizem os mesmos estudos

O departamento de água tem uma frota de 1033 camiões cisterna, o que é muito pouco para as necessidades da cidade. E apesar de não existirem dados oficiais, estima-se que neste Verão circulem centenas de camiões privados.

Guerras de água

A escassez de água é ainda mais aguda em Bhalswa, na zona noroeste de Deli, a mais de 30 km de Sangam Vihar. A água proveniente de algumas torneiras e bombas comunitárias é demasiado tóxica para consumo, obrigando os moradores a esperar em fila pelo camião cisterna do governo que aparece uma vez por dia.

Em consequência, as rixas são frequentes quando os que estão à espera, sobretudo mulheres com bidons nas mãos e crianças ao colo, correm para o tanque ao vê-lo chegar. No ano passado, pelo menos três pessoas foram mortas em rixas por causa da água em Deli.

“As lutas por causa do fornecimento de água aumentaram desde Maio e constituem quase 50% das nossas queixas diárias”, disse sob anonimato um responsável da esquadra de Bhalswa.

Alguns operadores de cisternas também começaram a vender água engarrafada, dando azo a preocupações sobre a qualidade da água das suas cisternas e sobre o preço que o cidadão comum tem que pagar, acrescentou a fonte da esquadra.

As quase 200 mil pessoas que vivem em Bhalswa estão vulneráveis a doenças de fígado, como icterícia e hepatite, disse Kamlesh Bharti, presidente da organização não-governamental Kamakhya Lok Sewa Samiti, que trabalha na zona e se dedica à educação e aos cuidados de saúde.

A zona de Bhalswa está perto de um grande aterro de resíduos que contaminou tanto a superfície como os lençóis de água.

Segundo a Water-Aid, organização não-governamental sediada no Reino Unido, cerca de 163 milhões de pessoas na Índia, quase 12% da população, não têm acesso a água potável perto das suas casas, a taxa mais elevada do mundo.

Os lençóis subterrâneos de água em Nova Deli mas não só estão a reduzir drasticamente e várias cidades da Índia podem ficar sem água em 2020 - 61% dos poços estão a secar.

Quase todos os residentes de classe média da cidade têm ou purificadores de águas nas suas casas ou grandes bidões com água provenientes da Bisleri, a principal empresa de bebidas engarrafadas da Índia, da Coca-Cola ou Pepsi. Os fornecedores de água engarrafada registaram um aumento de quase três quartos nas vendas entre 2012 e 2017, segundo a empresa de pesquisa de mercado Euromonitor.

A dependência indiana dos lençóis de água e a incapacidade do país em os manter abastecidos exacerbou a crise, disse V.K. Madhavan, da WaterAid. Tanto os agregados familiares como a miríade de indústrias da região usam maioritariamente água nova e recusam a sua reciclagem, que “é quase um conceito alienígena” no país, continuou Madhavan.

Segundo as autoridades de Nova Deli, o plano para a construção de três barragens no rio Yamuna, que passa pela cidade (estando bastante seco), vai ajudar a cidade a ultrapassar a escassez de água. As barragens levarão três a quatro anos a ser construídas, disse S. K. Haldar, responsável da Comissão Central de Água. Mas problemas com a aquisição de terrenos, realojamentos e autorizações ambientais, diz Madhavan,​ ameaçam este ambicioso calendário. Reuters

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