Um Seguro Nacional de Saúde para viabilizar o SNS

Setor público e privado não devem competir por recursos, mas sim terem missões distintas.

Foi publicado o Relatório “Menos Reformas, Melhores Políticas”, em vésperas do debate do Estado da Nação de 2019. Vários órgãos de comunicação social deram atenção à manchete do jornal PÚBLICO “Estudo do ISCTE propõe ADSE aberta a todos”, a respeito da análise do setor da saúde que foi da minha autoria.

Os mecanismos mediáticos e alguma simplificação poderão, no entanto, prejudicar um debate necessário à preparação do sistema de saúde para as próximas décadas. O que propus no Relatório não foi a universalização da ADSE, mas antes a criação de um Seguro Nacional de Saúde público e obrigatório.

Duas posições dominam atualmente o debate sobre o SNS. Por um lado, aqueles que esperam dele a generalidade, a universalidade e a tendencial gratuitidade dos cuidados, no pressuposto de que o SNS é autossuficiente nesta missão. Por outro lado, aqueles para quem o compromisso com a universalidade se perdeu na cruel realidade das limitações que o SNS enfrenta. Neste caso, a solução passa pela concorrência com o setor privado e a liberdade de escolha aos utentes.

A ideia de um Seguro Nacional de Saúde, público e obrigatório, difere das duas posições e tem por base os seguintes pressupostos.

Primeiro, que o SNS dificilmente poderá ser autossuficiente. Procure-se esta proeza nalgum país. Mais ainda sabendo que os gastos de saúde vão aumentar, que em Portugal a despesa das famílias com a saúde já é elevada e que dificilmente a despesa pública virá a aumentar.

Segundo, que concentrar a ação do SNS na população mais vulnerável ignora que não foi o princípio da equidade, mas sim o da igualdade que trouxe a coesão social e política aos países. Por isso, o SNS deve ser de todos e para todos.

Terceiro, que a relação público-privada não deve ser concorrencial. Setor público e privado não devem competir por recursos, mas sim terem missões distintas. Trata-se de uma relação público-privada suplementar: ao SNS o que pertence ao SNS e ao setor privado ao que pertence ao privado.

Quarto, que cabe ao SNS o lugar central na prestação dos cuidados imprescindíveis ao bem-estar da população. Claro que esta ideia obriga a que se discutam quais os cuidados englobados nesta categoria e, por outro lado, quais os cuidados suplementares a serem prestados no setor privado. Cuidados orais, continuados e paliativos, medicina física e de reabilitação e meios complementares de diagnóstico e terapêutica encaixam nesta definição.

Em suma, o que o Seguro Nacional de Saúde visa introduzir no sistema é: separação entre prestação pública e privada, alocação do financiamento do SNS exclusivamente aos cuidados que presta, reforço do investimento do SNS nos cuidados que assume prestar de forma universal e tendencialmente gratuita, utilização dos meios e recursos do setor privado em prol da população sem restrições no acesso.

O que sustentei no Relatório do ISCTE sobre a ADSE é que a sua adesão voluntária prova a ideia de que as pessoas estão disponíveis para uma dupla tributação para melhorarem o acesso aos cuidados de saúde. 

Ainda assim, os desafios da proposta que faço existem e são vários. A título de exemplo, a necessidade de consenso sobre os cuidados prestados no SNS e os cuidados suplementares, ou o envolvimento da Segurança Social no (co)pagamento do prémio de seguro da população desempregada e/ou de baixo rendimento.

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