Tribunal absolve polícias acusados de agressão a jovem no bairro 6 de Maio

O Ministério Público acusava os dois agentes de terem agredido um jovem depois de o terem identificado sem motivo, mas procurador em tribunal já tinha pedido a sua absolvição. Duas filmagens de detenção foram peça-chave na decisão.

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Rui Gaudencio

O Tribunal de Sintra absolveu esta quarta-feira os dois agentes da PSP que estavam acusados de agredir um jovem perto do bairro 6 de Maio, na Amadora, em Julho de 2015, de todos os crimes de que vinham acusados pelo Ministério Público. Pedro Xavier e Luís Ferreira estavam acusados dos crimes de ofensa à integridade física, sequestro agravado, denúncia caluniosa e falsificação de auto.

Além dos depoimentos dos arguidos, de algumas testemunhas e do ofendido foram essenciais para a decisão dois vídeos que mostram a detenção naquele dia. Num dos vídeos, segundo a juíza, mostra-se a detenção de Tiago Gouveia junto a uma farmácia e noutro visiona-se ele a ser algemado e encaminhado para o carro. 

A presidente do colectivo referiu que em “momento algum” se vê Tiago Gouveia a ser agredido, vê-se sim a ser levantado com calma, algemado e depois encaminhado para o carro. Essencial foi ainda o depoimento do jovem depois de visionadas as imagens em que, num segundo depoimento em tribunal, “apresentou uma nova versão” dos factos, disse a juíza, negando-os. Convenceu também os juízes um depoimento da chefe de Tiago Gouveia que referiu que este lhe disse que tinha sido assaltado nesse dia, através de SMS que aquela guardou.

O tribunal pôs então em dúvida a versão dada por Tiago Gouveia de que tinha sido também agredido no carro e na esquadra e o seu depoimento não mereceu, por isso, credibilidade. Os exames médicos também não mostraram lesões, acrescentou. A juíza deixou o recado aos polícias: “Se efectivamente alguma coisa aconteceu e aqui não veio indiciada fica na consciência dos senhores”. 

Já nas suas alegações finais o procurador do MP que acompanhou o julgamento tinha pedido a absolvição dos agentes, pondo em causa também a credibilidade do ofendido.

Os factos aconteceram a 17 de Julho de 2015 quando o jovem, então com 21 anos, ia a sair de um autocarro junto ao 6 de Maio, um bairro de construção ilegal que está a ser alvo de realojamento e demolições há anos

Segundo a descrição dos dois polícias em tribunal, depois de pedirem a identificação a Tiago ele recusou-se, dizendo que morava nas imediações. “Ele disse: ‘Eu não tenho que dar nada.’ Estava com um ar superdespreocupado, parecia que estava a desvalorizar a nossa actuação policial”, disse ao tribunal o agente Pedro Xavier. “Dizia: ‘A vossa carreira policial vai acabar, não sabem com quem se estão a meter.’”

Face à resistência, foi-lhe dada voz de detenção pelo “crime de desobediência”: “Recusou-se a ir connosco à esquadra.” Depois Tiago tentou fugir, segundo os agentes.

Suspeito abordado por “ser branco” num bairro africano

Em tribunal, numa das primeiras sessões, os juízes quiseram saber o que tinha levado os agentes a abordar o jovem. “Abordámos o suspeito porque era branco, estava numa zona sensível onde há vários ilícitos criminais e só vivem pessoas de etnia africana. Achámos estranho estar ali àquela hora”, disse o agente Luís Ferreira, o primeiro a ser ouvido. 

A acusação do MP resultou de uma certidão extraída do processo em que o jovem era arguido. O Tribunal de Sintra não o pronunciou e o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou aquela decisão, redigindo um acórdão em Abril de 2017 que sublinhou o direito de resistência: “A detenção de uma pessoa para identificação fora do contexto do Artigo 250 do Código de Processo Penal confere à mesma o direito de resistência, consagrado no Artigo 21 da Constituição.”

Os juízes escreveram ainda que aquele artigo “não permite a identificação de qualquer pessoa encontrada em lugar público, conotado com o tráfico de estupefacientes, sem que sobre ela recaiam ‘fundadas suspeitas da prática de crimes’”.“Para se proceder à identificação de uma pessoa não basta que o local público em que a mesma se encontra seja um ‘local sensível’. Este conceito não foi assumido pelo legislador, já que o mesmo se basta com o local ser público, exigindo, contudo, que existam fundadas suspeitas sobre essa pessoa da prática de crimes.”

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