Respostas vagas de Von der Leyen não convencem eurodeputados, Verdes vão votar contra nomeação

A ministra da Defesa alemã, escolhida pelos líderes europeus para presidir à Comissão Europeia, não conseguiu vencer as reservas dos parlamentares que se preparam para votar a sua nomeação na próxima semana.

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Ursula von der Leyen reuniu com o presidente do Parlamento Europeu, David-Maria Sassuolo Reuters/Francois Lenoir

Uma nova Comissão Europeia paritária, composta por 50% de homens e 50% de mulheres. Um método mais transparente para a verificação do cumprimento das normas do estado de Direito nos países membros. Uma maior responsabilidade e envolvimento da União Europeia nos “importantes processos de estabilização” à sua volta. E uma reconversão do Banco Europeu de Investimento num “banco verde”. Estas são algumas das ideias e propostas que Ursula von der Leyen pretende aplicar se for confirmada na presidência da Comissão europeia, na votação agendada para a próxima semana no Parlamento Europeu, em Estrasburgo.

A ainda ministra da Defesa da Alemanha quebrou esta quarta-feira o silêncio que mantinha desde a sua nomeação pelos líderes europeus, numa cimeira repleta de tensão e dramatismo. Na sua primeira declaração aos jornalistas, Ursula von der Leyen deu conta das suas apostas e prioridades para o futuro da União Europeia, mas não respondeu a perguntas — sobre como tenciona assegurar o objectivo da neutralidade carbónica em 2050, ou estabelecer o salário mínimo em todos os Estados-membros, ou ainda como concilia a sua defesa do sistema dos cabeça de lista (Spitzenkandidaten) com a surpresa da sua nomeação para a presidência da Comissão Europeia.

O seu pensamento — e as respostas a algumas destas questões — acabou por ser conhecido graças ao live streaming disponibilizado pelos grupos Renovar a Europa e Verdes das suas respectivas reuniões com a candidata, das quais nem uns nem outros saíram especialmente bem impressionados. “Ela não nos ofereceu nada que fosse muito preciso e concreto em termos de respeito pelo Estado de Direito”, reclamou a eurodeputada holandesa, Sophie in’t Veld, que mantém reservas sobre a sua escolha.

“É um facto que tivemos um começo atribulado e quanto a isso não posso fazer nada”, reconheceu Von der Leyen à bancada dos liberais, quando confrontada com perguntas sobre a sua nomeação. A candidata a presidente da Comissão disse que quer trabalhar com o Parlamento e o Conselho Europeu para estabelecer um “processo mais maduro” de distribuição dos cargos de topo na UE, mas não disse se partilha do mesmo entusiasmo do Presidente de França, Emmanuel Macron, com as listas transnacionais.

Mais tarde, no encontro com os Verdes, Von der Leyen também não foi convincente, apesar de ter garantido o seu total compromisso com o combate às alterações climáticas. Ao início da noite, a bancada ecologista confirmou que vai votar contra a sua nomeação. “Não acrescentou nada de novo, foram respostas muito redondas ou até inexistentes, como no caso da descriminalização de quem ajuda a salvar pessoas no Mediterrâneo. Desviou-se completamente da questão. E quando falamos em metas climáticas, também não conseguiu concretizar, foi um discurso vago”, comentou no fim do encontro o eurodeputado do PAN, Francisco Guerreiro, que integra o grupo dos Verdes. “Mais do que retórica, os cidadãos querem acção climática e isso não verificamos com as suas declarações. Continuamos sem saber qual a sua visão e qual a sua estratégia”, lamentou.

Durante o longo dia de reuniões, várias das ideias que Von der Leyen defendeu mereceram o aplauso dos eurodeputados. Nenhuma delas constitui exactamente uma grande novidade e muito menos um desvio ou ruptura com a linha política da actual Comissão. Por exemplo, quando tratou de constituir a sua equipa, em 2014, Jean-Claude Juncker, já tinha pedido aos Estados-membros para indicarem o nome de um homem e uma mulher que pudessem desempenhar o cargo de comissário europeu.

Mesmo que o desejo de paridade seja reciclado, não deixaria de ser “revolucionário” se a primeira mulher a presidir ao executivo comunitário conseguisse alterar o equilíbrio que pende claramente para o lado masculino. Von der Leyen não prometeu vetar as escolhas feitas pelos líderes nacionais. Como também não se comprometeu com as pastas que pretende atribuir aos dois cabeça de lista que concorreram pelo seu cargo nas eleições europeias, e foram já anunciados como vice-presidentes da futura Comissão: o socialista holandês, Frans Timmermans, e a liberal dinamarquesa, Margrethe Vestager.

A bancada Renovar a Europa está a pressionar para que a comissária dinamarquesa fique responsável pela política económica — depois de vários elogios ao trabalho e reputação de Vestager, disse apenas que “será uma figura enorme na próxima Comissão e terá um portfolio importante”. Já os socialistas gostariam de manter Timmermans na pasta das Relações Interinstitucionais e Estado de Direito: mais uma vez, a alemã não deu garantias.

A “neutralidade” assumida pela candidata a presidente da Comissão foi bem vista pela bancada democrata-cristã, e também pelos conservadores e reformistas que se sentam à sua direita, e que poderão juntar-se ao grupo do Partido Popular Europeu no apoio a Von der Leyen. Mas a aprovação não está garantida. O vice-presidente do PPE, Paulo Rangel, admite até que a votação possa ser adiada para se desenvolver uma “negociação mais detalhada, cuidada e harmonizada” entre os grupos parlamentares.

Lembrando que a futura presidente da Comissão tem de preencher “uma série de requisitos pedidos pelas várias forças políticas”, Rangel considerou que o adiamento da votação seria mesmo “saudável” para alcançar o entendimento entre as diferentes famílias. Por enquanto, o eurodeputado diz que existe um “verdadeiro suspense” sobre o resultado da votação, uma vez que “todos os cenários estão em cima da mesa”.

O que é certo é que ainda não foi esta quarta-feira que Ursula von der Leyen conseguiu dar a volta à oposição dos socialistas — que poderiam fazer-se valer da “aliança progressista” composta na campanha eleitoral para derrubar a sua nomeação. O grupo da Esquerda Unitária já fez saber que a candidata alemã não contará com o seu voto, mas essa não deverá ser a estratégia dos sociais-democratas, que bastaria unirem-se aos Verdes para chumbar a nomeação. Nesta fase, os socialistas ainda se dizem dispostos a negociar.

O chefe da delegação do PS no grupo dos Socialistas & Democratas, Carlos Zorrinho, escutou várias notas positivas durante a audição da candidata alemã, nomeadamente em relação ao pilar social. Porém, noutras áreas que considera fundamentais, como a reforma da zona euro ou o próximo quadro financeiro plurianual, as posições de Von der Leyen não satisfizeram. “Os compromissos que ela assumiu ficaram aquém das exigências do grupo S&D para votar favoravelmente a sua nomeação. Vamos continuar a dialogar, logo veremos se vai ser possível ultrapassar este diferencial”, afirmou.

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