Até quando vamos ter este Serviço Nacional de Saúde?

Se nada for feito no curto e médio prazo, a insustentabilidade financeira do SNS agravar-se-á seguramente.

O debate e a polémica do sistema de saúde em Portugal estão limitados ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). A opinião que se evidencia ou as determinações que se estabelecem não comprometem os outros intervenientes no complexo sistema de saúde, especialmente as companhias de seguro, os subsistemas de saúde, grupos económicos privados de desiguais dimensões, organizações de matriz social e a clínica privada individual dos médicos, com grande tradição. O compromisso necessário para que o SNS se mantenha resulta do amplo consenso que existe nos benefícios em recorrer à rede de hospitais públicos e à rede de cuidados primários de saúde.

Os diferentes estudos realizados demonstram uma análise muito positiva para a qualidade dos profissionais de saúde. Na presença de dificuldades financeiras, em que as despesas são superiores aos recursos monetários atribuídos pelo Orçamento do Estado e na ineficácia e falta de capacidade de intervenção no campo de gestão, temos de questionar: somos capazes de manter o SNS, preservando os seus princípios? Está adaptado à realidade?

Seja como for, o sector público tem uma enorme influência, o que obriga os decisores políticos, apesar de persistentes esforços de vontade, a dar respostas oportunas e ajustadas, que não se confirmam. Põe-se portanto o problema de saber que espécie de política se deveria adoptar para que o acesso a cuidados de saúde e os tempos de espera entre a marcação e a concretização dos actos médicos mostrem um registo favorável.

Há, além disso, disfunções e falhas nos recursos humanos com problemas estruturais já identificados. O reduzido grau de cooperação entre os diferentes níveis de cuidados de saúde, a incapacidade dos cuidados primários em suster a procura das urgências hospitalares por parte dos utentes, o recurso aos médicos hospitalares e aos meios avançados de diagnóstico sem haver real necessidade de o fazer e a fraca capacidade de resposta no tratamento das doenças crónicas, que representam mais de 70% dos gastos em saúde, são referências que afligem diariamente e não são encontradas soluções.

Se nada for feito no curto e médio prazo, a insustentabilidade financeira do SNS, nos moldes em que a conhecemos, agravar-se-á seguramente, com a actual corrente de constrangimentos no espaço orçamental do Estado e com os desenvolvimentos tecnológicos e de inovação que são uma realidade.

Pelas circunstâncias explicadas, o interessante, porém, é que ao mesmo tempo que se dá uma quebra de continuidade histórica no SNS e quando só existe confusão na gestão dos Serviços de Urgência no período de Verão, as necessidades da grande maioria da população ao recorrer à rede do SNS estão teoricamente salvaguardadas.

Naturalmente, sentindo o perigo, acontecem várias discussões sobre as soluções a injectar. A procura de cuidados de saúde, a bem da verdade, vai ter orientações diversas. O crescimento das doenças oncológicas, que passam a doenças crónicas, e as doenças crónicas múltiplas constituem as grandes tendências. Na realidade, a gestão partilhada da doença e a aprendizagem de novos estilos de vida podem ajudar a equilibrar o sistema. Como exemplo, os doentes com patologias crónicas poderem ser tratados no seu ambiente familiar. O sistema de saúde, com o SNS incluído, tem de estar preparado para dar respostas.

No mundo de hoje, tal como em todos os sectores, a área da saúde está prisioneira da palavra sustentabilidade. No SNS, a referência é atribuída à perspectiva financeira do sistema público. A principal fonte de receitas para o orçamento do SNS são os impostos, com posterior distribuição efectuada pelos decisores políticos. O debate da sustentabilidade financeira do SNS está subordinado às contas públicas e suas condicionantes. O que significa que com maior crescimento económico existem menos dificuldades.

Com o crescimento das despesas nos cuidados de saúde é absolutamente necessário discutir qual a quantidade de recursos financeiros do sector público que precisam de ser encaminhados para o SNS. É necessário que reconheçamos o que contribui para o aumento das despesas.

A inovação tecnológica, pela sua natureza e desenvolvimento, permite novas formas de intervenção na saúde. Outro factor de pressão é o crescimento do rendimento disponível da população que está relacionado com o aumento da procura de cuidados de saúde. As possibilidades de se viver mais anos não significam impreterivelmente maior necessidade de recursos financeiros.

Um outro factor que participa directamente no aumento da despesa é a prestação de cuidados de saúde. Uma consulta médica, como exemplo, compromete tempo e profissionais de saúde, e mesmo com a transformação digital esta abordagem não se modifica. Não se descobre que o tempo de consulta seja nulo, ou que o médico utilize o modelo de consultas colectivas.

Sabemos que há diversas áreas de prestação de cuidados de saúde em que há acréscimo da actividade. Nas 225 instituições de saúde, a eficiência não é idêntica. Para serem atingidos objectivos em saúde, não se pode aceitar a falta de capacidade de gestão e a inexistência de contributos individuais dos profissionais de saúde. Assistimos ao fracasso na maioria das instituições existentes na procura da eficiência operacional.

Lutar contra o desperdício, para se obter contenção de mais recursos financeiros face aos cuidados de saúde prestados, é um desígnio que deve estar sempre presente. Seja qual for a análise dos caminhos para a sustentabilidade financeira, é fundamental o controlo dos mecanismos de avaliação de novas tecnologias e de intervenção em saúde. É da responsabilidade do SNS classificar quais as inovações que têm efectivamente valor terapêutico e quanto se justifica pagar para a sua utilização. Existe esta experiência de avaliação na área do medicamento e com resultados positivos.

Na melhoria do funcionamento do sistema de saúde é também determinante a capacidade de organização em cada grupo de profissionais. Pela mesma razão, é muito importante o papel de proximidade que cabe tradicionalmente no SNS ao médico especialista de Medicina Geral e Familiar, havendo os recursos obrigatórios.

Durante demasiado tempo, os decisores políticos tiveram uma atitude de concordância com o sistema de saúde público, mas este acordo transformou-se em inércia e o problema é tão grande e tão complicado que muitos já encolhem os ombros e desistem.

O que está na agenda política é a Lei de Bases da Saúde e as Parcerias Público-Privadas (PPP), o que como todos sabemos por experiência é desperdício de energia e de tempo.

Os maiores desafios deveriam ser como reter e manter motivados os profissionais de saúde, funções a desempenhar, actuar sobre a principal fonte de pressão, a gestão dos hospitais EPE, e criar programas de gestão das Unidades de Saúde, incluindo modelos de pagamento e seu relacionamento.

Num mundo transformado, com profundo impacto na vida das pessoas, uma das primeiras preocupações é garantir um SNS eficaz e de qualidade. Está nas mãos de todos garantir que seja possível.

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