Conselho Europeu: mitos sobre o PPE

A circunstância de vários chefes de executivo coincidirem com a posição de Orbán não autoriza a dizer que socialistas e liberais foram “instrumentalizados” por ele.

1. A propósito das escolhas feitas para o vértice das instituições europeias, impõe-se lembrar alguns factos, corrigir algumas versões e dar uma visão (pessoal) mais geral. Ao longo desta semana, Teresa de Sousa – uma das melhores jornalistas de assuntos europeus, que muito prezo – tem-se desdobrado em artigos em que tenta provar que o PPE se deixou instrumentalizar por Viktor Orbán, primeiro-ministro húngaro. O esforço é tão insistente que parece que não está ainda convencida do acerto da sua tese e que, no desfiar sucessivo de ilações, procura convencer-se e convencer-nos.

2. Há um facto fundamental que Teresa de Sousa nunca refere e que deita por terra a tese que quer fazer vingar. Antes do Conselho de 30 de Junho e da “proposta de Osaca”, houve o Conselho Europeu de 20-21 de Junho. Foi por não se ter chegado a um consenso nesta reunião que teve de se marcar aquela outra. Pois bem, na primeira reunião, o nome que o PPE (com Merkel à cabeça) pôs em cima da mesa para a Comissão foi o do seu candidato, Manfred Weber. Este nome não desagradava apenas a alguns socialistas e liberais; ele foi liminarmente rejeitado pelo primeiro-ministro húngaro. A investida duríssima de Orbán contra Weber – que já vinha da pré-campanha eleitoral para as europeias – criou um enorme reacção contra o húngaro dentro do PPE. Não tem, por isso, o mínimo fundamento a alegação de que, uma semana depois, os chefes de executivo do PPE não resistiram à ofensiva ou até ao charme de Orbán. Depois da rejeição de 20 de Junho, a predisposição dos líderes do PPE contra Orbán atingiu o seu cume.

3. Tudo visto, nesse Conselho de 20 de Junho, Orbán foi o grande aliado de socialistas e de Macron (contra Weber). Mas sintomaticamente ninguém inferiu que socialistas e liberais estavam a unir as suas forças a Orbán e a ser manipulados por ele! Com efeito, a circunstância de vários chefes de executivo coincidirem com a posição de Orbán não autoriza a dizer que socialistas e liberais foram “instrumentalizados” por ele. De resto, é mesmo sabido que António Costa tem uma boa relação com Orbán – bem retratada na foto de família, publicada no Expresso, em que afectuosamente lhe põe as mãos sobre os ombros – e daí não decorre que seja influenciável ou manipulável pelo político húngaro.

4. Pois bem, a 30 de Junho, diante da “proposta de Osaca” com Timmermans na Comissão, subscrita por quatro países – Alemanha (Merkel), França (Macron), Espanha (Sanchez) e Holanda (Rutte) –, os chefes de executivo do PPE tinham de tomar uma posição. E salta aos olhos, que a “proposta de Osaca” não tinha em devida conta o peso eleitoral do PPE, que venceu as eleições europeias. Como sublinharam vários primeiros-ministros, se fosse possível formar uma maioria funcional sem o partido vencedor (PPE), era perfeitamente aceitável que ficasse fora das principais instituições. Teria um estatuto de “oposição”. Mas, sendo o partido vencedor indispensável a um acordo político viável e funcional, ele tem de ser adequadamente valorizado. Esta argumentação foi explicada a Merkel por todos os membros PPE do Conselho (com excepção do Presidente cipriota, ausente por doença), que, de resto, não a estranhou. Foi argumentação política – e política pura –, que reforça ademais a tendência do Conselho para começar a funcionar também em razão das afinidades políticas (e não apenas dos interesses nacionais).

Em nenhum momento, houve qualquer menção ou concessão a Orbán ou inflexão à direita ou à extrema-direita. Aliás, tem mesmo de se perguntar: Varadkar, irlandês, filho de imigrante indiano, será mesmo pró-Orbán? E que dizer de primeiros-ministros modernos e abertos como Plenkovic (Croácia) ou Karins (Letónia)? E do Presidente romeno Ioannis, que é a força que trava a deriva iliberal do governo, por sinal socialista…? Sim, porque, por muito que isso custe à tese de Teresa de Sousa, o grupo de Visegrado tem um governo socialista (Eslováquia) e um liberal (República Checa). Talvez o único primeiro-ministro PPE que faça algumas concessões a Orbán seja Borisov da Bulgária. Como se vê, a teoria conspirativa não bate certo. Na realidade, não é crível nem razoável que, enquanto se elogia a destreza e habilidade de António Costa (que, note-se, esteve ao lado de Orbán contra Weber), se tomem por ingénuos, vulneráveis e manipuláveis cinco ou seis chefes de Estado e de Governo (que teriam sucumbido a cantos de sereia de Orbán). É demasiado simplista e demasiado pueril para ser verosímil.

Ao que acresce que, no final, e feitas correcções aos desequilíbrios da proposta inicial de Osaca, só o grupo de Visegrado e a Itália mantiveram a sua oposição. Eis o que infirma, de uma vez por todas, a tese peregrina da grande influência de Orbán no PPE.

5. Notas finais. A primeira sobre a pretensa rebelião contra Merkel. Não houve qualquer rebelião; houve apenas a formação colegial da posição do PPE que, neste caso, divergiu da proposta alemã. A chanceler, aliás, sem deixar de explicar a sua visão, compreendeu bem a posição que lhe era adversa e empenhou-se em construir pontes que pudessem melhorar ou substituir a “proposta de Osaca”.

A segunda sobre António Costa, que, na sequência do fracasso europeu, tem sido quase beatificado. Em todo este processo, falhou em duas escolhas. Uma, no ataque muito agressivo e fulanizado a Weber. Era dispensável e nada traz a Portugal. Outra, na excessiva confiança na solução Timmermans, dando-a todos por garantida. Essa “sobre-confiança” teve custos. Dito isto, ninguém pode negar o seu empenho e esse empenho é bom para o país. Como sempre e como ele bem sabe, poderá contar com a colaboração leal dos portugueses do PPE.

SIM e NÃO

SIM. Kyriakos Mitsotakis. Um político moderno, aberto e centrista que foi capaz de motivar e inspirar o eleitorado grego, a ponto da maioria absoluta. Uma derrota do populismo de esquerda do Syriza. 

SIM. Paulo Nunes de Almeida. Grande promotor do associativismo empresarial, o sector têxtil deve-lhe muito. Empreendedor de rosto humano, fará falta ao país, à sociedade civil, ao Porto.

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