As políticas públicas da Cultura: 2011-2019

O valor disponível de apoio às artes aumentou de forma relevante e o valor orçamental da Cultura, apesar de timidamente e com parte significativa sujeita a cativações, aumentou, mas sem estabelecer nenhum novo patamar

No fim do mandato do atual Governo (2015-2019), já é possível comparar o que foi feito, em relação ao que fez o Governo anterior (2011-2015).

Apesar deste tipo de comparação oferecer dificuldades, o que se pretende aqui é relevar alguns elementos para debate público.

Não é demais lembrar que, no regime democrático, foi um governo liderado pelo PSD que estruturou (em 1980) as orgânicas estatais da Cultura que inspiraram todos os modelos subsequentes. Assim como que foram governos do PSD ou por este liderados que decidiram, por exemplo, a criação do novo edifício da Torre do Tombo, do CCB, da Fundação de Serralves, do ANIM,  que criaram o sistema da rede pública de bibliotecas, a lei do mecenato, que viabilizaram a Comissão dos Descobrimentos, a Europália Portugal, a Expo 98.

No Governo a que pertenci, foi possível concretizar uma política cultural, apesar das dificuldades brutais para as finanças públicas provocadas pela governação do Partido Socialista, entre 2006 e 2011, que nos levou à intervenção da Troika, com todos os problemas sociais e económicos associados. Senão, vejamos:

  •  a estrutura pública da Cultura foi alargada – a área da Cultura passou a integrar o Arquivo Histórico Ultramarino e os seus funcionários (na Torre do Tombo) e o Sistema Integrado de Património Arquitetónico (SIPA) e os seus funcionários (na DGPC);
  • aumentou a área edificada do sistema museológico nacional e a sua operatividade – o Museu do Chiado duplicou a sua área; o protocolo com a Câmara de Mafra permitiu obter uma área significativa no Palácio-Convento para o Museu da Música (elevado a Museu Nacional); depois de pagar uma dívida do Estado à Câmara de Guimarães (que remontava ao primeiro Governo Sócrates), foi possível abrir a ala fechada do Museu Alberto Sampaio; abriu-se o novo edifício do Museu dos Coches (e para esse efeito, foi alargado o quadro de funcionários); foi reaberto o Museu Machado de Castro; o Museu Nacional do Teatro foi transformado em Museu Nacional do Teatro e da Dança; foi decidida a construção da ala em falta do Palácio Nacional da Ajuda e a instalação no novo espaço da Coleção das Jóias da Coroa; definiu-se um novo sistema de bilhética para todos os museus na tutela do Estado, que melhorou, de forma significativa, as condições de obtenção de receias próprias;
  • face à crise do modelo de financiamento do cinema independente, a nova lei do cinema e audiovisual (aprovada em 2012 e regulada em 2013), estabeleceu uma taxa junto de empresas privadas que quase duplicou a disponibilidade financeira do Estado para o cinema e audiovisual (de 10 milhões para 19 milhões de euros);
  • perante a concorrência desigual das grandes superfícies com as livrarias, alterou-se a lei do preço fixo do livro (2015), para proteger editores e livreiros e face à necessidade de promover as bibliotecas públicas, retomou-se o processo da sua construção, parado há anos;
  • na área do património cultural, concretizaram-se investimentos superiores a 100 milhões de euros, que permitiram a reabilitação de mais de 120 conjuntos edificados de todo o País, entre os quais a Torre dos Clérigos, o Forte da Graça de Elvas ou a Casa de Aristides Sousa Mendes, em Cabanas do Viriato, e promoveu-se o maior movimento de classificação de património cultural da nossa História, com mais de 900 classificações;
  • realizou-se a maior produção legislativa de proteção dos direitos de autor e direitos conexos, desde a aprovação do código dos direitos de autor e direitos conexos de 1985 – fez parte desse movimento a aprovação da lei da cópia privada, em 2015, que permite, desde 2016, que as entidades de gestão coletiva de direitos de autor e direitos conexos recebam, no seu conjunto, mais de 10 milhões de euros por ano;
  • criou-se a Conta Satélite da Cultura, em conjunto com o INE, que permite uma visão sistémica sobre o setor da Cultura.

    Também houve dificuldades, claro. A lei das fundações criou problemas sérios à Casa da Música, Fundação de Serralves, Fundação Museu do Douro, entre outras. As verbas disponibilizadas para o apoio às artes trouxeram limitações muito negativas às entidades artísticas; o orçamento para o Teatro de São Carlos (para o qual nomeei a maestrina Joana Carneiro), para o Teatro D. Maria II (para o qual nomeei Tiago Rodrigues) e para o Teatro de São João eram evidentes. Apesar disso, não houve nem os protestos públicos que a nova lei de apoio às artes aprovada pelo atual Governo, em 2017, provocou no meio artístico contemporâneo, nem as greves que os trabalhadores do Teatro de São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado têm realizado, em 2019. E, claro, não posso ignorar a muito politizada e mediática situação das obras de Miró do ex-BPN, que o atual Governo decidiu expor na Casa de Serralves e que o Estado comprou à Parvalorem e à Parups por 54,4 milhões de euros, no fim de 2017 - essa é uma história que merece um artigo à parte.

E o que fez o atual Governo, nesta legislatura, na área da Cultura?

Para além da muito contestada lei de apoio às artes, da incapacidade de gerir a situação da OPART, da falta de investimento na reabilitação de património cultural, do pouco valor acrescentado na área do livro e da leitura (por exemplo, a presença de Portugal na Feira do Livro de Guadalajara, em 2018, custou mais do dobro da presença de Portugal na Feira do Livro de Bogotá, em 2013, e vendeu metade dos livros), do afrontamento com o meio tauromáquico, do bloqueamento dos serviços da Cultura pelas cativações, houve coisas positivas?

Sim houve. Estancou-se a saída de pessoal e começou a melhorar-se o quadro de pessoal, apesar de ser ainda insuficiente. O valor disponível de apoio às artes aumentou de forma relevante e o valor orçamental da Cultura, apesar de timidamente e com parte significativa sujeita a cativações, aumentou, mas sem estabelecer nenhum novo patamar (não seria sério contabilizar o orçamento da RTP, agora na tutela da Cultura, para esta contabilidade). Melhorou-se a situação do apoio estatal à Casa da Música e a Serralves. Criou-se um fundo de apoio à produção de cinema estrangeiro em Portugal com o Turismo de Portugal. Continuou-se o trabalho começado para fechar o Palácio Nacional da Ajuda – apesar de ser muito duvidoso o modelo encontrado de colaboração com a Associação de Turismo de Lisboa – alguém já viu o contrato que o Estado celebrou com a ATL? Continuou-se o trabalho para a instalação do Museu Nacional da Música em Mafra (saber continuar trabalho começado é sinal de boa governação). Anunciou-se, em Junho de 2019, o Plano Nacional das Artes (mas ignorou-se a Estratégia Nacional Educação e Cultura, que eu e Nuno Crato deixámos aprovada, em 2015, com uma articulação entre Educação e Cultura a funcionar e uma plataforma eletrónica operativa).

Infelizmente, em termos gerais, o balanço desilude. Perante mundos e fundos de promessas feitas e críticas ao Governo anterior, tivemos uma sucessão de ministros inconsequentes (três em quatro anos) e o anúncio de que voltou a existir um ministério da Cultura. De facto, não existe – existe uma ministra da Cultura. Os serviços da Cultura não têm ministério – estão integrados na Presidência do Conselho de Ministros, como estavam, desde 2011. Apesar de eu defender a importância de haver um ministro da Cultura (aceitei ser secretário de Estado da Cultura na dependência do Primeiro-Ministro por considerar que o momento difícil que vivíamos não me permitia recusar essa responsabilidade), verifico que não é por aí que se mede o peso político do membro do Governo com a tutela da Cultura: a prova está, por exemplo, no conjunto do pacote legislativo aprovado na área da Cultura pelo Governo de que fiz parte perante a fraca produção legislativa do atual.

Espera-se que o meio cultural em especial e os Portugueses em geral consigam tirar conclusões relativas aos dados disponíveis, e não se limitem a absorver discursos ligeiros dos/das que acham que com meia dúzia de declarações e omissões demagógicas  apagam a realidade das coisas. O escrutínio é essencial em Democracia.

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