Projecto Alchemy quer transformar “lixo” da indústria em produtos

No novo centro de biotecnologia, no Porto, há já cerca de 100 investigadores que diariamente desenvolvem novas moléculas para as indústrias alimentar, cosmética e farmacêutica.

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Gonçalo Dias

Há cerca de um ano, a norte-americana Amyris, uma empresa de produtos renováveis, e a Escola Superior de Biotecnologia (ESB) da Católica Porto assinaram uma parceria, em Silicon Valley, nos EUA. Hoje, ei-lo, fora do papel, um centro de competências de excelência em biotecnologia, no Porto, não 100% português, mas quase. O plano é pegar em subprodutos que actualmente não servem para nada e transformá-los em algo de valor no mercado, novas moléculas que podem ter várias aplicações, desde um gelado a um cosmético de antienvelhecimento.

Na versão resumida, o projecto Alchemy visa optimizar o processo de produção de biomoléculas e investigar novas aplicações para os subprodutos e resíduos daí resultantes. Na versão longa, a que Manuela Pintado, coordenadora científica do projecto, nos dá a conhecer, o Alchemy tem vários subprojectos importantes que lidam com a valorização do que são os subprodutos de fermentação que a Amyris gera na sua cadeira de produção, desde a cana-de-açúcar aos produtos derivados da purificação de moléculas. Inicialmente, a indústria no geral considerava que estes subprodutos não tinham mais utilidade depois de serem usados para produzir o produto principal, mas sabe-se agora que podem ter características que sejam interessantes em vários campos.

“Em cada um dos subprojectos, o que nós tentamos fazer é, utilizando tecnologias limpas e inovadoras, extrair compostos, ingredientes ou aditivos que possam depois ser valorizados no mercado. No fundo, o conceito passa por transformar algo que actualmente tem valor zero, e em alguns casos até tem custo, em produtos que possam ser aplicados em vários sectores, como a área alimentar, a cosmética, a saúde ou a agricultura”, explica a também professora e investigadora.

O projecto foi financiado em 45 milhões de euros, dos quais aproximadamente 60% resultam de financiamento da Amyris e o restante do Portugal 2020 e do Programa Operacional de Desenvolvimento Regional (Feder). Parte do dinheiro concretizou-se no que agora está à vista no campus da Católica, no Porto: 60 novas contratações de cientistas e mais dez investigadores que já estavam integrados na universidade e que trabalham a tempo inteiro com equipamentos sofisticados que lhes dão a possibilidade de acompanhar um componente desde o seu início até ao produto final em laboratório.

É esperado que o Alchemy traga um retorno económico para a empresa, para a universidade e para a cidade, e que tal sucesso possa dinamizar o mercado português trazendo outras empresas que aproveitem estes novos produtos.

Um subproduto e o seu ciclo

De acordo com Manuela Pintado, a Amyris encontrou no Centro de Biotecnologia e Química Fina (CBQF) da Católica toda a experiência existente em valorização de subprodutos, uma vez que o centro já desenvolvia esse tipo de produção desde 1993. A técnica começou com a procura de soluções para o soro de leite, um produto líquido obtido no processo de fabricação do queijo e da caseína (proteína do leite). As aplicações do soro de leite na indústria alimentícia são várias hoje em dia, desde bebidas lácteas até gelados e bolos.

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A Amyris viu ali uma oportunidade para se deslocar dos EUA, país de origem, e aproveitar o progresso que já tinha sido feito naquele campo de investigação. “Eles trazem as suas moléculas resultantes dos produtos que criam e nós vamos olhá-las e caracterizá-las sob o ponto de vista de propriedades para a saúde ou da tecnologia para abrir novos mercados e conquistar outras oportunidades de mercado que até ali não tinham sido pensadas. E tudo isto só começou a ser possível quando a economia circular se tornou um conceito chave para as indústrias”, explica a coordenadora
científica.

No fundo, de um subproduto, a equipa de cientistas é capaz de criar vários elementos que vão desempenhar outras funções, conforme o campo a que são aplicados. Veja-se o exemplo dos antioxidantes, moléculas capazes de inibir a oxidação de outras moléculas. “Podemos facilmente tirar destes subprodutos antioxidantes e compostos interessantes antienvelhecimento e colocá-los depois em linhas de cosmética”, exemplifica Manuela Pintado.

Porém, nem todo o processo é tão linear como inserir um composto anti-idade num cosmético. Há que perceber primeiro como se obtém esse componente, se a tecnologia usada para o obter tem viabilidade económica, e se o produto final tem um custo que permita criar valor. De acordo com a coordenadora científica, se um produto for extremamente caro, “não será fácil convencer o consumidor a comprá-lo”.

Aos 41 anos, Luis Rodriguez, é um dos cientistas responsáveis por este processo. Investigador sénior do Alchemy, está encarregado de tudo o que sejam estudos relacionados com lípidos. O espanhol começou por ser investigador do Conselho Superior de Investigações Científicas, em Madrid, e só em 2013 integrou a equipa do CBQF, na qual se especializou na mesma temática, nomeadamente no estudo da influência dos lípidos na saúde. Quando surgiu a oportunidade de integrar o Alchemy, candidatou-se a uma das 100 vagas para cientistas que estavam disponíveis.

Um ambiente especial

“Quando trabalhas com um investigador, o que te interessa é o conhecimento, é compreender. A verdade é que em toda a minha carreira trabalhei com empresas, mas numa só área. A quantidade de áreas em que me envolvo aqui é muito diferente e é uma oportunidade de trabalhar num ambiente internacional e multidisciplinar que me faz evoluir em termos profissionais”, refere Luis Rodriguez.

Esta é também a visão da coordenadora científica do Alchemy que apelida o projecto como uma “fusão de várias áreas de competência”. “Muitas vezes, numa investigação, olhamos uma matéria-prima de acordo com as competências e experiências que temos da nossa área. Quando fundimos áreas diferentes, as funcionalidades multiplicam-se, o que nos permite ter uma equipa no dia-a-dia a explorar várias oportunidades e a resolver problemas mais facilmente”, diz Manuela Pintado.

Além disso, a coordenadora refere que uma visão a cinco anos para um investigador, em que este tem um plano e uma equipa, “já é um passo importante”. Logo que os cientistas terminam um produto este já estará a ser analisado para possível venda a uma das indústrias do ramo, o que, garante a professora, “não é uma situação comum em muitos locais”.

O projecto agora em curso tem uma duração prevista de cinco anos. No final desse prazo, a ideia é a de que todo o trabalho criado no centro de biotecnologia possa assegurar a continuidade do Alchemy no futuro.

O Alchemy foi o primeiro a instalar-se no novo centro de biotecnologia, mas nas próximas duas semanas todo o Centro de Biotecnologia e Química Fina da UCP, que tem a sua casa num pólo na Asprela, fará a transição para que toda a equipa beneficie dos avanços tecnológicos do projecto e para que, mais tarde, o edifício passe também a receber os estudantes daquela universidade. 

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