Alguns erros de percepção da legislatura

Tancos foi um erro de percepção porque o Governo não conseguiu prever os seus efeitos políticos e porque, durante muito tempo, acreditou que dali não resultaria mais do que caso mediático.

A legislatura aproxima-se do fim. O último debate do estado da Nação está marcado para esta quarta-feira, dia 10 de Julho, altura em que o Governo se apresenta pela última vez aos deputados para ser confrontado com os números. Portugal em 2015 vs. Portugal em 2019. Vários ministros de António Costa desdobraram-se recentemente em entrevistas para explicar que a evolução foi positiva, que o país está melhor e que o processo ainda não terminou. Um deles falou, pela primeira vez, em maioria absoluta: Capoulas Santos.

O executivo chega a este momento vendo um dos seus anteriores governantes (Azeredo Lopes) ser constituído arguido no âmbito de um caso que defino como um dos erros de percepção do primeiro-ministro (o assalto em Tancos) nos últimos quatro anos. Dias depois de um incêndio mortífero, como nunca tinha havido outro em Portugal, o país desperta para a informação de que os paióis nacionais de Tancos haviam sido assaltados. Desapareceram granadas de mão ofensivas, munições de calibre de 9 mm, cargas de explosivos, disparadores, etc.

A avaliação que o executivo fez do caso, nessa altura em em alturas posteriores, foi um dos erros de percepção da legislatura. Foi Marcelo Rebelo de Sousa quem chamou o Governo à razão, levando o ministro consigo na primeira visita às instalações assaltadas. Nesse momento, ainda não se sabia que o material havia de aparecer na sequência de uma combinação entre a PJ Militar e um seu informador.

Tancos foi um erro de percepção porque o Governo não conseguiu prever os seus efeitos políticos e porque, durante muito tempo, acreditou que dali não resultaria mais do que caso mediático que poderia ser abafado com procedimentos disciplinares internos, ao nível do Exército. Enganou-se. Tancos originou a demissão de um ministro, uma comissão de inquérito e 23 arguidos.

Mas não foi o primeiro erro de percepção (palavra usada por Mário Centeno a propósito do caso dos administradores da CGD e das suas declarações de rendimentos). Já antes, o incêndio de Pedrógão Grande não tinha sido devidamente avaliado pelo executivo. Foi visto como uma tragédia irrepetível em que o Estado não tinha responsabilidade... e repetiu-se. Mais uma vez, sintonizado com o país, Marcelo Rebelo de Sousa criticou quem"não entendeu nada do essencial que se passou". Mais uma vez, demitiu-se um membro do Governo: Constança Urbano de Sousa.

Mais tarde, o Presidente explicou que a sua própria recandidatura dependeria dos incêndios, dando a entender ao Governo de que outra tragédia poria em causa o futuro dos responsáveis políticos de então. “Voltasse a correr mal o que correu mal no ano passado, nos anos que vão até ao fim do meu mandato, isso seria, só por si, no meu espírito, impeditivo de uma recandidatura”.

Além dos incêndios e de Tancos, um terceiro tema foi desvalorizado pelo executivo: o das nomeações de familiares. O Governo tentou manter o silêncio até ao limite, mas a opinião pública não deixou. Dessa vez, não se demitiu nenhum ministro. A Assembleia da República tentou clarificar a lei, estendendo impedimentos até familiares em quarto grau e “legalizando” a maior parte das situações que tinham sido reveladas.

Mais do que a greve dos enfermeiros às cirurgias ou o descongelamento do tempo de serviço dos professores, foi nestes três casos que a distância entre os portugueses e o Governo foi mais evidente. 

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