José Afonso e Vinicius de Moraes “encontram-se” ao vivo e em disco

Estrada Branca junta Mônica Salmaso e José Pedro Gil em palco e em disco, num projecto que envolve Carlos Tê, o arquitecto Manuel Aires Mateus e vários músicos. Esta segunda-feira no São Luiz, às 21h.

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Estrada Branca no Mosteiro de São Bento da Vitória, Porto, em 2017 ©TUNA-TNSJ
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Mônica Salmaso ©TUNA-TNSJ
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José Pedro Gil ©TUNA-TNSJ
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Teco Cardoso ©TUNA-TNSJ

Foi estreado ao vivo em 2017 e agora regressa em LP duplo e numa pequena digressão por duas cidades e uma vila. Estrada Branca, assim se chama o projecto, junta as vozes de Mônica Salmaso e José Pedro Gil numa celebração conjunta das obras de José Afonso e Vinicius de Moraes. A escolha do repertório é de Carlos Tê e a cenografia do arquitecto Manuel Aires Mateus. O disco é lançado esta segunda-feira, no primeiro espectáculo, em Lisboa (São Luiz, às 21h). Depois, seguir-se-ão o Porto (Casa da Música, dia 10, às 21h30) e o Alentejo (Castelo do Alandroal, dia 19, às 22h).

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A capa do disco

Tudo começou por dois projectos de homenagem, separados pelo Atlântico: enquanto no Brasil a cantora Mônica Salmaso celebrava Vinicius de Moraes, num espectáculo em trio por ocasião do centenário do seu nascimento, em 2013, em Portugal José Pedro Gil e Emanuel de Andrade preparavam um trabalho sobre a obra de José Afonso para voz, piano e quarteto de cordas. A este trabalho, que viria a ser gravado em disco, foi dado o nome de Outro Tempo, José Afonso. E nele figuravam já, como convidados, Mônica Salmaso (voz) e o seu marido Teco Cardoso (flauta), ela cantando em Menino do bairro negro e Canção de embalar e ele em Era um redondo vocábulo.

Um pequeno fio condutor

Ficaram, assim, ligados ao projecto português dois membros do trio que homenageara Vinicius no Brasil. O terceiro, o pianista e maestro Nelson Ayres, não tardaria a juntar-se-lhes, acabando por partilhar com José Pedro Gil, Emanuel de Andrade, Mônica Salmaso, Teco Cardoso e Carlos Tê a autoria de Estrada Branca, como explica ao PÚBLICO José Pedro Gil: “Quando a Mônica, por ocasião do centenário do Vinicius [1913-1980], revisitou em trio o repertório dele de uma forma mais camerística, que no fundo tinha uma grande similaridade com a forma como nós olhámos para o repertório do Zeca, pensei: porque não estes dois cantautores, representando no fundo uma parte da cultura de ambos os países, serem colocados em confronto?” Entusiasmou-se com a ideia e resolveu desafiar Carlos Tê (letrista e escritor, conhecido parceiro musical de Rui Veloso), por pensar que ele seria a pessoa indicada para os ajudar a escolher um repertório.

Carlos Tê aceitou, mas, de início, achou “estapafúrdio” juntar nomes que ele achava opostos, como recorda agora ao PÚBLICO. Porém, como nessa altura teve de ir a São Paulo, aproveitou para falar com Mônica Salmaso e foi esta que acabou por convencê-lo. “Como sou grande fã dela, achei que talvez houvesse ali qualquer coisa que eu não estava a ver.” E pôs-se a pesquisar. “Porque eu nem sequer era um profundo conhecedor da obra do José Afonso ou do próprio Vinicius. Mas comecei a mergulhar naquilo. A Mônica tinha um espectáculo dedicado às coisas do Vinicius, com arranjos do Nelson Ayres, e havia lá canções que eu desconhecia, canções com a minha idade, como a própria Estrada branca [composta por Tom Jobim e Vinicius de Moraes em 1958]. Fiquei impressionadíssimo com aquilo e pus-me a tentar perceber o que é que aquelas duas entidades andaram a fazer ao mesmo tempo, em cada um dos respectivos países.”

E percebeu, ao fazer essa análise, que “andaram muitas vezes a escrever sobre a mesma coisa, e ao mesmo tempo, unidos apenas pela mesma língua.” E essa percepção forneceu-lhe o guia ideal: “Foi por aí que comecei a tecer um pequeno fio condutor no sentido de fazer aquelas canções conviverem ao lado umas das outras, mas só no alinhamento. Trouxe à liça, por exemplo, o Endechas a bárbara escrava [Camões musicado por José Afonso] e foi através dos arranjos que a coisa se foi cosendo. Eu próprio fiquei surpreendido, ao perceber que aquilo podia funcionar.”

Poder e longevidade das canções

E funcionou. José Pedro Gil diz que “foi uma coisa bastante orgânica”, trabalhar no alinhamento. Embora reconheça que isso não foi imediato. “Fomos todos, até bastante tarde, cépticos: será que resulta, será que não resulta? Mas quando testámos pela primeira vez, ficámos muito satisfeitos.” Carlos Tê, que também se surpreendeu com o resultado final, sublinha outro aspecto: “Isto acabou por ser também uma pequena reflexão sobre o poder e a longevidade que as canções têm.”

Em 2017, o projecto Estrada Branca estreou-se no Porto, no Mosteiro de São Bento da Vitória, com duas apresentações. Daí, seguiria para o Centro Cultural Olga Cadaval (Sintra) e para o Teatro Municipal São Luiz (Lisboa). E é por esta última sala que começa, neste seu regresso aos palcos, que coincide com o lançamento do disco, gravado ao vivo durante as apresentações de 2017, um LP duplo cuja capa recorda no grafismo a estética depurada dos discos da bossa nova. Parte das receitas da venda do disco reverte para a Corações Com Coroa, uma associação criada por Catarina Furtado e que ajuda jovens adolescentes e mulheres em situações vulneráveis.

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