Regressar ou não regressar, eis a questão!

Estamos a perder uma das maiores conquistas do 25 de abril, descapitalizando de profissionais qualificados e necessários o pilar da saúde.

A problemática da emigração qualificada dos nossos jovens e as suas consequências nos próprios, mas sobretudo na sociedade portuguesa, retornou ao domínio da discussão pública. E ainda bem! Mas a reintrodução do tema, num sentido proactivo ou reativo, ao decorrer da ação de diferentes atores e interesses, nem sempre coincidentes nos seus objetivos, parece estar a mascarar um debate que pretendemos mais profundo sobre o problema.

Com a recente publicação do livro Fora da Zona de Conforto (Coolbooks) quisemos recentrar a questão da saída dos enfermeiros, não necessária ou exclusivamente daqueles retratados na obra, mas através deles de todos os outros anónimos, cujas histórias não serão muito diferentes na sua essência. E, com isso, perceber o que cada um ganhou ou perdeu, para nos ajudar a refletir acerca do que perdemos todos, enquanto sociedade.

Perdemos desde logo jovens, sendo um país com uma população envelhecida; perdemos também profissionais qualificados, quando os dados de organizações insuspeitas e idóneas, como a OCDE, atestam que os rácios de enfermeiros por mil habitantes, em Portugal, continuam a ter os valores mais baixos dos países analisados. Isto é, a nossa formação, cuja qualidade emerge claramente dos relatos ali retratados, não produz excedentes e, mesmo que todos os que se encontram fora regressassem, continuaríamos a necessitar de mais enfermeiros para atingirmos os padrões de qualidade definidos internacionalmente. E este aspeto tem sido subliminarmente descartado do domínio do interesse mais relevante, por via de quem detém o poder, quando ele é central para um SNS, que defendemos, com qualidade e, em consequência, para os portugueses.

Estamos por isso a perder uma das maiores conquistas do 25 de abril, descapitalizando de profissionais qualificados e necessários, o pilar da saúde, perdendo também aqueles que dia-a-dia se esforçam cá, por ‘fazer das tripas coração’, com condições muito pouco dignas, sem perspetivas de melhoria nem reconhecimento do seu valor, que vá para além, mas que inclua também as palavras.

É por isso constrangedor assistir a propostas que se vão arquitetando nestes períodos de interesses eleitorais, como as que se anunciam para motivar o regresso dos filhos pródigos. A ver vamos quantos vão voltar com base nesses incentivos. No que diz respeito aos enfermeiros, não podendo afirmar que a nossa amostra (nenhum perspetiva de regressar a curto e médio prazo) é representativa do universo de todos os que saíram, temos a perceção de que assim é e de que o tempo nos dará razão. Da leitura dos testemunhos reunidos resulta inequívoca a convicção de que o que se conquista a nível profissional vai muito para além dos ganhos monetários, que acabam por não ser a condição mais relevante. Daí que um qualquer incentivo financeiro, por mais generoso que fosse, seria sempre insuficiente senão acompanhado de outros elementos, esses bem mais estruturantes e, nessa medida, diz-nos a experiência, com pouca probabilidade de serem introduzidos.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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