O SNS e a erosão política do Governo

As implicações que o funcionamento do SNS tem sobre a vida de todos nós são maiores e mais dramáticas.

Quando se prepara para enfrentar o seu quarto e último debate sobre o estado da nação da legislatura, o primeiro-ministro, António Costa, entrou já em modo de aquecimento dos motores para se lançar na campanha eleitoral decisiva na sua vida política. O líder do PS tudo fará para que o seu partido obtenha a maioria absoluta de deputados na Assembleia da República que será eleita a 6 de Outubro.

Embora não seja previsível que o PS venha a afirmar de modo explícito o desejo de a obter, a secretária-geral adjunta, Ana Catarina Mendonça Mendes, fez questão de recuperar uma máxima de campanha socialista, lançada em 1999 por António Vitorino, para o líder António Guterres. Pediu que o eleitorado desse ao PS uma “maioria absolutamente inequívoca”.

Já esta semana, o ministro da Agricultura, Capoulas Santos, em entrevista ao PÚBLICO/Renascença, sem nunca verbalizar o objectivo, admitiu que “é menos constrangedor um Governo que tem uma maioria absoluta do que um Governo que, para tomar qualquer decisão, tem de permanentemente estar a negociar essas soluções, e muitas vezes contornando e torcendo as suas próprias ideias”.

Tendo o Governo conseguido fechar as contas públicas do primeiro trimestre deste ano, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas, com um saldo positivo de 0,4% (ainda que à custa de cativações) e com a possibilidade de vir a concluir o primeiro semestre com resultados positivos na execução orçamental, António Costa poderá usar o trunfo do défice zero. Mas será que essa segurança das “boas contas públicas” é suficiente para a maioria absoluta? Pode não o ser, por muito que os cidadãos queiram sentir-se longe de uma nova crise e estejam ainda recordados dos cortes nos seus rendimentos feitos pelo Governo de Pedro Passos Coelho por imposição da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional, para viabilizar um empréstimo de 78 mil milhões de euros que evitou a bancarrota do Estado.

O funcionamento da política mostra que em regra são os governos que perdem eleições e não as oposições que as ganham. Os comportamentos eleitorais demonstram que uma grande faixa de eleitorado decide sobre o seu sentido de voto num período breve de tempo, ou seja, em cima das eleições. Isso leva a que o resultado de 6 de Outubro ainda não possa ser previsto. Essa imprevisibilidade, a três meses de distância, permite que o PS possa fazer o tudo por tudo para obter a maioria absoluta. Mas também é verdade que a decisão do eleitorado ainda pode ser influenciada de forma decisiva pela espuma dos dias e pelo que de negativo surja ao nível da imagem pública da acção do Governo.

A três meses de eleições, o clima político não parece ser de feição a que António Costa obtenha maioria absoluta. Depois de apostar forte numa solução de arquitectura de poder na União Europeia que favorecesse os partidos sociais-democratas e socialistas e que levasse Frans Timmermans à presidência da Comissão Europeia, o primeiro-ministro português saiu derrotado, como já foi dito pelo líder do PSD, Rui Rio, e pelo dirigente e ex-eurodeputado do PS Francisco Assis.

É com essa derrota europeia que António Costa se apresentará, na quarta-feira, no hemiciclo de São Bento, para um debate em que um outro problema ensombra a sua governação. Nestas semanas, uma vez mais, as fragilidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) fizeram-se notar no quotidiano do país, devido a novas greves, casos e episódios de falência de estruturas. Não será por acaso que na quinta-feira o Governo teve o bom senso de suspender a decisão de no Verão adoptar um sistema rotativo nas urgências de obstetrícia da Maternidade Alfredo da Costa, do Hospital de Santa Maria, do Hospital São Francisco Xavier e do hospital Amadora-Sintra, noticiado pelo PÚBLICO.

É certo que, ao ameaçar demitir-se, António Costa resolveu a seu favor e ganhou na opinião pública a guerra com os professores em torno da reposição integral do tempo de serviço. Mas que não haja confusões nem ilusões. O impacto das greves e da luta sindical dos professores sobre a vida das pessoas é certamente grande, afinal é às escolas que cabe a formação dos futuros cidadãos activos. Todavia, as implicações que o funcionamento do SNS tem sobre a vida de todos nós são maiores e mais dramáticas.

O Governo pode argumentar que não fez cativações na saúde e que aumentou o investimento no SNS. Pode também usar como linha de combate na campanha eleitoral que tudo fez para aprovar a Lei de Bases da Saúde. A realidade, tal como é vivida pelas pessoas, é outra. E assim como as deficiências no SNS têm implicações graves na saúde e até na morte de pessoas, o efeito dessas falhas de funcionamento do SNS na percepção do eleitorado pode provocar uma erosão na imagem do Governo que afaste o PS definitivamente da maioria absoluta.

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