Saúde: famílias gastaram mais no privado e menos na farmácia

Peso do privado nos gastos com a saúde disparou em 2017. A despesa com a saúde cresceu 5,1% em 2018 – um aumento superior à variação nominal do PIB, que foi de 3,6%.

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Rui Gaudêncio

De 2016 para 2017, o peso do privado nos gastos com a saúde disparou. Subiram, em particular, os gastos com sociedades de seguros, que registaram, nesse ano, o maior aumento entre todos os principais agentes financiadores: 13,7%. Os dados são do Instituto Nacional de Estatística (INE), que esta quinta-feira publicou os indicadores da Conta Satélite da Saúde.

No âmbito do sector privado, e para além das sociedades de seguros, também a despesa suportada pelas famílias aumentou 2,6% em 2017, embora tenha registado um ligeiro abrandamento face aos 4,7% registados em 2016​.

Já no que respeita aos agentes financiadores públicos, o maior aumento na despesa nominal aconteceu na administração pública (crescimento de 3,7%) e nos gastos com o Serviço Nacional de Saúde e os Serviços Regionais de Saúde das regiões Autónomas (3,5%).

Em 2017, as famílias gastaram mais dinheiro em hospitais privados e menos na farmácia. O “ligeiro abrandamento" na despesa das famílias foi ditado pelo “decréscimo da despesa em hospitais públicos (-5,6%), em farmácias (-0,9%) e em prestadores públicos de cuidados de saúde em ambulatório (-0,4%)”, nomeia o documento.

Por outro lado, a despesa com hospitais privados aumentou 6,1%, assim como a dos prestadores privados de cuidados de saúde em ambulatório (que cresceu 3,9%).

“Para 2018, estima-se que o financiamento das famílias tenha crescido 4,4%”, refere o estudo.

Percepção de maior facilidade de acesso na base do aumento de gastos com seguros e privados

Para Pedro Pita Barros, professor na NOVA SBE e especialista em economia da saúde, o aumento dos gastos no sector privado (e em especial no caso das seguradoras) pode explicar-se com a melhoria dos seguros oferecidos, “aumentando as coberturas e os prémios de seguro correspondentes”. “Pelo menos desde 2000 que os seguros de saúde têm vindo a ter um aumento regular e sistemático da sua importância, em termos de volume global de financiamento”, completa em declarações ao PÚBLICO.

No caso dos seguros, há ainda outros factores a ter em conta para explicar o aumento dos gastos: a “maior facilidade de acesso (ou percepção de facilidade de acesso) ou rapidez que os seguros possibilitam, nomeadamente num primeiro contacto com profissionais de saúde” e “a capacidade de evitar tempos de espera para intervenção no sector público poderá ser uma motivação para os cidadãos tomarem coberturas mais abrangentes (e com isso pagarem prémios mais elevados)”. 

Para este especialista, o aumento dos gastos com seguros e com cuidados de saúde no privado “não prejudica directa e imediatamente o Serviço Nacional de Saúde”, mas podem gerar-se e potenciar-se situações em que o sector privado ganha capacidade para recrutar “profissionais de saúde ao SNS, que tem notoriamente falta de uma política de retenção de bons profissionais”. 

Já os utentes “alargam o leque” de possibilidades médicas que têm, mas devem preocupar-se com outra questão: a possibilidade de “excesso de cuidados de saúde”, isto é, cuidados “desproporcionados face ao problema”. O facto de terem seguro pode levar a um aumento da procura de cuidados que não são necessários: por exemplo, “recorrer directamente a um médico especialista, sem consultar primeiro o médico de família”, o que poderá levar a que não tenham “os cuidados mais adequados no tempo certo”, afirma Pita Barros.

O economista refere ainda que é importante saber “se os seguros de saúde que estão a crescer são em coberturas não fornecidas pelo Serviço Nacional de Saúde, se são coberturas que cobrem aspectos apenas parcialmente cobertos pelo SNS, ou se são simplesmente duplicação de acesso que o SNS também providencia” – dados que permitiriam fazer uma leitura mais correcta do tema. 

Já Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, olha para o “aumento da despesa das famílias em hospitais privados e em consultas e exames feitos no sector privado” com “uma grande apreensão” porque mostra o que diz ser o enfraquecimento da capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde: “É esta falência que está na base da procura de serviços privados e de seguros por parte dos cidadãos.”

Numa nota enviada às redacções, o bastonário da Ordem dos Médicos salienta que é importante não esquecer “que há muitos portugueses sem capacidade económica” para aceder ao sector privado e que “por isso mesmo, é inadmissível que o serviço público de saúde esteja a perder a sua função de equidade e coesão social”.

Despesa com o Serviço Nacional de Saúde aumenta

As despesas com o Serviço Nacional de Saúde e do Serviço Regional de Saúde (SRS) aumentaram 3,5% em 2017​, alavancadas pelo “reforço do financiamento nos hospitais privados (+4,8%)”, pelos “prestadores públicos de cuidados de saúde em ambulatório (+4,8%)”, “hospitais públicos (4,4%)”, “prestadores privados de cuidados de saúde em ambulatório (+3,4%) e farmácias (2,0%)”.

De acordo com o mesmo documento e com os dados preliminares para o ano de 2018, a despesa com a saúde crescerá 5,1% (um aumento superior à variação nominal do PIB, de 3,6%), o que configura o maior aumento desde 2008 (5,1%).

“Os resultados preliminares revelam aumentos mais significativos da despesa corrente pública (5,3%) e privada (4,6%), após o crescimento de 3,6% das duas componentes em 2017”, revela o mesmo estudo.

As previsões para 2018 apontam para um crescimento da despesa corrente com saúde face aos anos anteriores: 18,345.1 milhões de euros (isto é, 9,1% do PIB). É o equivalente a 1784.8 euros per capita. No ano anterior, em 2017, de acordo com os dados preliminares, os gastos com saúde ascenderam aos 17,456.5 milhões de euros – ou 1694,8 euros per capita

Os dados apresentados pelo INE são finais para 2016, provisórios para 2017 e preliminares para 2018 (preparados com base na informação disponível no final de Maio de 2019).

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