Morreu Paulo Nunes de Almeida, opositor da “liberalização quase selvagem” do têxtil

Empresário faleceu nesta quinta-feira, aos 60 anos. Presidia à AEP e ajudou a transformar o sector têxtil. “Um empresário com uma cidadania difícil de encontrar”, diz um amigo.

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Fernando Veludo/NFACTOS/ARQUIVO

Quando o comércio mundial dos têxteis se aproximava da liberalização, três vozes fizeram-se ouvir na defesa de uma abertura com regras: os EUA, a Turquia e Portugal. A voz portuguesa tinha, na altura, um rosto: o de Paulo Nunes de Almeida, um “empresário de uma cidadania difícil de encontrar” e que ajudou a preparar o sector têxtil português para os duros desafios que a indústria enfrentaria a partir do fim do acordo Multifibras, em 2005. A voz de Paulo Nunes de Almeida, actual presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP) calou-se nesta quinta-feira, para sempre. O empresário morreu, aos 60 anos, após doença prolongada.

O actual director-geral da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), Paulo Vaz, recorda um “excelente profissional”, “um tipo com uma inteligência superior”. É ele quem destaca os valores de cidadania que o empresário sempre defendeu nas empresas que liderou e no sector associativo por onde passou desde jovem.

Vaz e Nunes de Almeida conheceram-se quando o sector têxtil e vestuário estava bastante mais dividido do que actualmente, com múltiplas associações representativas que não conseguiam pôr a indústria lusa a falar a uma só voz. Ambos pertenciam então a associações distintas, mas acabariam por trabalhar conjuntamente num esforço de união e concertação que acabaria por desembocar na criação da ATP.

Porém, Paulo Nunes de Almeida sabia que unir o sector era apenas a antecâmara de uma difícil caminhada que tinham pela frente: a negociação dos termos da liberalização do comércio mundial, que ameaçava a indústria portuguesa, então baseada num modelo de baixos salários e competição pelo preço, dada a entrada de países como a China, onde a ausência de preocupações ambientais e outras questões regulatórias permitiria esmagar ainda mais os custos. 

“Foi um período muito desafiante”, recorda Paulo Vaz, em declarações ao PÚBLICO, a propósito do desaparecimento de Nunes de Almeida, que presidiu à ATP até 2008. Era preciso “construir uma realidade nova”, pautada por uma maior união dentro de portas, para poder enfrentar as consequências de decisões externas que pairavam sobre o sector como uma ameaça.

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Foi sob a batuta deste empresário, natural do Porto e condecorado pelo Presidente da República, a 14 de Maio, com a Grã-Cruz da Ordem de Mérito Empresarial, que se preparou e exerceu uma “resistência heróica à liberalização quase selvagem do comércio mundial do sector têxtil”, sintetiza Paulo Vaz. O papel de Portugal, dos EUA e da Turquia acabaria por dar alguns frutos, recorda Paulo Vaz, obrigando a então Comunidade Europeia a rever a forma como negociava e defendia a indústria europeia.

Para o ministro da Economia “Portugal perdeu um dos mais notáveis empresários e dirigentes”. “Foi sempre um homem de grande inteligência e afabilidade, a quem as empresas e o país muito ficam a dever”, afirma o ministro Pedro Siza Vieira, em reacção à notícia da morte de Paulo Nunes de Almeida. Em duas mensagens no Twitter, que entretanto deixaram de estar disponíveis, o Governo prestou homenagem ao empresário.

Graças ao trabalho dele, diz Paulo Vaz, a indústria têxtil e vestuário conseguiu recuperar-se e iniciar uma trajectória de crescimento sob um novo modelo assente no valor acrescentado e na modernização, a partir de 2009. Nesse sentido, observa, Nunes de Almeida, um “amigo que deixa muitas saudades”, foi o homem que garantiu ao sector os alicerces que hoje o sustentam. “Só por isso, devemos-lhe muito”, acrescenta o director-geral da ATP.

José Paulo Sá Fernandes Nunes de Almeida nasceu a 24 de Março de 1959. Licenciou-se em Economia, foi fundador e vice-presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários. Passou pelo sector financeiro, nomeadamente pelo Banco Português do Atlântico (1982-1984), mas assumiu as rédeas dos negócios da família, que explorava uma fiação.

Com a profissão de gestor foi acumulando funções associativas, na Associação Comercial do Porto, na ATP, na Confederação Empresarial de Portugal (CIP) e na AEP, à qual presidia desde 2014. Desde 2008, era também membro dos órgãos sociais do FC Porto, como presidente do conselho fiscal do clube e da Sociedade Anónima Desportiva.

António Saraiva, presidente da CIP, diz que Paulo Nunes de Almeida “foi um dirigente como poucos”. “Perdemos hoje um dos nossos melhores”, afirma Saraiva, numa mensagem de condolências divulgada às redacções. “Muito do sucesso alcançado” pelo associativismo empresarial "repousa em silêncio sobre os seus ombros”, acrescenta.

Para Paulo Rangel, eurodeputado do PSD e homem do Porto, morreu um “empreendedor de rosto humano e trato fácil”. “O país e o Porto vão sentir a falta dele.”

A AEP recorda o presidente com uma nota publicada online a dar conta da morte deste dirigente. E evoca algumas das palavras que o empresário proferiu quando tomou posse pela última vez, em 2017: “A AEP nunca foi um peso. Antes pelo contrário, foi a vitamina que me fortaleceu e a adrenalina que me estimulou.” 

Em jeito de homenagem, a direcção da AEP diz, na mesma nota de pesar, que Nunes de Almeida é “uma figura de referência, cujo trabalho muito contribuiu para a afirmação da imagem das empresas portuguesas”.

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