Lux-Lucis, um refúgio de “música visual” para escapar à poluição que nos rodeia

O novo espectáculo do Drumming – Grupo de Percussão, dirigido por Miquel Bernat, serve-se da luz e da música para propor uma reflexão sobre estes elementos e a falta de sensibilidade dos seres humanos para os apreciarem. Em cena de 4 a 6 de Julho, no Teatro Nacional de São João, no Porto.

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SUSANA NEVES

Resulta da conjugação entre luz e música, por isso é difícil descrevê-lo sem usar a palavra “concerto”. Miquel Bernat parece concordar, embora arrisque uma classificação alternativa para Lux-Lucis, o espectáculo que criou com o seu Drumming — Grupo de Percussão e que estará em cena a partir desta quinta-feira no Teatro Nacional de São João (TNSJ), no Porto: “Música visual”. Assim se explica a presença em palco de cinco intérpretes — quatro percussionistas e um guitarrista que adicionam “cinco perspectivas e sensibilidades específicas na relação com as composições” —, escondidos por telas que se iluminam numa resposta concertada aos sons dos diversos instrumentos.

É nesses momentos, quando a luz trespassa as telas brancas e se une ao som, que o público pode vislumbrar as silhuetas daqueles que dão vida às peças de Kate Neal (Austrália), Mátyás Wettl (Hungria), Juliana Hodkinson (Inglaterra), David del Puerto (Espanha) e Igor C. Silva (Portugal). As geografias dos cinco compositores são distintas, mas a relação das peças com a luz é transversal, o que cativou Miquel e o orientou durante o processo de selecção. Mas desengane-se quem acha que se trata apenas disso. “São músicas, mas vão mais além. Têm algo mais do que uma componente puramente musical. Algumas estão na fronteira de passar a uma coreografia, a um vídeo”.

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Foi essa fronteira que Miquel quis transpor, privilegiando em vários momentos o silêncio e a escuridão, essenciais para o público perceber os seus opostos. Um momento de vazio que, na opinião do director artístico, constitui uma raridade nos dias de hoje: “Estamos num nível de abuso tão grande que chega a ser poluição.” Nesse oceano de néons emanados, principalmente nas grandes cidades, a partir de bares e lojas, o ser humano, distraído, ofuscado, perdeu “a sensibilidade” que lhe permitia distinguir “a beleza, a subtileza, o cuidado e as nuances da luz”.

É por isso que todas as peças que constituem Lux-Lucis (uma co-produção do Drumming – Grupo de Percussão e do TNSJ) chamam a atenção, ainda que cada uma à sua maneira, “para o facto de existir algo poético na luz, algo que está noutro lugar que não é a rua e o que vemos normalmente nela”. O espectáculo constitui-se, assim, como um “refúgio” que tira partido de uma sala de espectáculos, um dos últimos espaços ainda capazes de preservar a essência dos elementos explorados nesta produção.

A constatação aplica-se também ao som, ou à música, neste caso. É a arte de Miquel, mas o próprio confessa que passa cada vez menos tempo a escutá-la. A “falta de condições” — ou será mais correcto dizer a falta de silêncio? — assim o determina. “Quando estás rodeado de barulho, a música não serviu para nada, perde, inclusive, a sua qualidade. Se estás numa rua cheia de trânsito e queres ouvir uma música apreciando todos os seus detalhes, não consegues. Precisas de ir a todos os silêncios.”

Mesmo assim, Miquel Bernat garante que o espectáculo não tem qualquer tipo de mensagem — “a música é complicada e pode ser tão abstracta que não envia qualquer tipo de mensagem — e que todas estas constatações resultaram de pesquisas feitas a posteriori. O “voltar às bases” a que se propõe é o único propósito que consegue apontar para a criação deste espectáculo, ainda que se negue a depositar qualquer tipo de expectativa em relação a possíveis interpretações do público: “Às vezes começamos com uma linha que tenta marcar algo e depois os comentários que chegam sugerem algo completamente diferente.” Aquilo que o director e intérprete pode assegurar são duas folhas em branco que potenciam as características artísticas da luz — “o primeiro elemento criativo” — e da escuridão para que o espectador possa voltar a relacionar-se “com a natureza e o mundo exterior”. Texto editado por Inês Nadais

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