Ex-secretário de Estado diz que gabinete de Sócrates não seleccionava empresários que integravam visitas ao estrangeiro

Fernando Serrasqueiro foi ouvido esta quarta-feira durante mais de duas horas na instrução da Operação Marquês, a pedido da defesa do antigo primeiro-ministro.

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LUSA/RODRIGO ANTUNES

O antigo secretário de Estado do Comércio, Fernando Serrasqueiro, afirmou esta quarta-feira na instrução da Operação Marquês que apesar de ser o gabinete do então primeiro-ministro que formalizava os convites para os empresários integrarem as visitas oficiais ao estrangeiro, não eram os assessores de José Sócrates que seleccionavam quem integrava essas comitivas.

Esse papel cabia à Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) ou aos ministérios de cada sector específico que também acompanhavam os negócios, como as Obras Públicas, no caso das milhares de casas cuja construção foi contratualizada entre o Governo Venezuelano e o Grupo Lena. As declarações foram reproduzidas por duas fontes que assistiram ao depoimento.

Serrasqueiro, próximo de Sócrates e arrolado como testemunha do ex-primeiro-ministro, concentrou as mais de duas horas do seu depoimento a explicar como funcionava a diplomacia económica no seio dos dois governos socialistas que integrou. Até levou e-mails que leu para exemplificar como tudo funcionava, elementos que acabaram por ser juntos ao processo. Garantiu que nunca ninguém lhe pediu que beneficiasse o Grupo Lena e que nunca se apercebeu de qualquer favorecimento ao grupo de Leiria.

Sobre o negócio das casas na Venezuela, explicou que foi uma negociação complexa e difícil de concretizar, com vários avanços e recuos, que se prolongou por mais de três anos e que tal não lhe parece compatível com a tese do Ministério Público que Sócrates teria sido corrompido para ajudar o Grupo Lena. Se tal tivesse ocorrido, sustentou Serrasqueiro, tudo deveria ter sido mais simples e rápido.

Segundo a acusação, o primeiro contrato, assinado em Portugal a 27 de Setembro de 2008 entre o Grupo Lena e um membro do Governo venezuelano previa a construção de 50.000 habitações, no eixo Norte costeiro da Venezuela, por cerca de 2,4 mil milhões de euros. O negócio acabou por sofrer alterações e o último contrato assinado, em Outubro de 2010, já previa a construção de 12.512 habitações pré-fabricadas e a instalação de três fábricas na Venezuela para esse efeito. O valor do negócio desceu para pouco mais de 700 milhões de euros.

O ex-secretário de Estado afirmou que as questões técnicas e burocráticas dos negócios eram resolvidas pela sua secretaria de Estado e que o primeiro-ministro apenas participava nas negociações ao mais alto nível, que tinham uma componente muito política. Disse, contudo, que a preocupação com a diplomacia económica era transversal a todo o Governo e, por isso, havia vários membros de gabinetes, como o antigo chefe de gabinete do ministro das Obras Públicas, Guilherme Dray ou o assessor de Sócrates Vítor Escária, que eram habituais nas deslocações de trabalho ao estrangeiro.

Nem conhecia os empresários

Serrasqueiro contou que, muitas vezes, Sócrates nem sequer conhecia os empresários que integravam as comitivas - e que segundo afirmou pagariam as despesas com as deslocações – e era habitual ele apresentar formalmente os empresários ao primeiro-ministro já no avião que os levaria ao respectivo destino.

Fonte da defesa de Sócrates sublinhou ao PÚBLICO que mais importante que qualquer revelação que Fernando Serrasqueiro tenha feito, a importância do seu depoimento reside no facto de alegadamente demonstrar que o Ministério Público não realizou as diligências mais óbvias para apurar a verdade, já que nunca ouviu o Governante que tinha um papel central na diplomacia económica do Governo Sócrates.

Na acusação da Operação Marquês, o Ministério Público afirma que um dos corruptores activos de Sócrates foi o fundador do Grupo Lena, Joaquim Barroca, e que tal permitiu àquelas empresas obter benefícios comerciais. Segundo o Ministério Público, o apoio de Sócrates ao negócio das casas rendeu mais de seis milhões de euros ao então primeiro-ministro, através de Carlos Santos Silva, amigo próximo do antigo governante e o seu alegado testa-de-ferro.

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