Costa Braz. A incrível aventura da fundação da democracia

Nunca entenderemos bem este país se não conhecermos as duas coisas que formataram os tempos que correm: uma ditadura que durou 48 anos e uma revolução feita por militares.

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A geração que nasceu em democracia chegou agora à meia-idade. Pela lei das coisas naturais, começam a ir os homens que fizeram uma revolução sabe Deus como, reconciliaram o país consigo próprio — ao contrário do que aconteceu e permanece em Espanha — e criaram as bases para a construção do Estado de direito democrático.

Manuel da Costa Braz era um desses homens e morreu agora sem que uma grande parte dos portugueses possa perceber o que lhe deve. É natural: Costa Braz não foi primeiro-ministro nem Presidente da República, há anos que estava retirado e manteve em todos os cargos por onde passou uma discrição que já terá sido uma coisa virtuosa mas que em tempos de Trump e Boris Johnson vai ficando cada vez mais anacrónica.

E, no entanto, Costa Braz foi essencial para o golpe de Estado — não era capitão, era mais “antigo”, como se diz nos quartéis, foi um dos raríssimos tenentes-coronéis que participaram na conspiração. Ajudou a escrever o programa do Movimento das Forças Armadas, foi ele que “baptizou” o novo poder e inventou o nome “junta de salvação nacional”, foi o primeiro grande ministro da Administração Interna do pós-25 de Abril e ficou responsável pelo primeiro recenseamento eleitoral da democracia — e pelas primeiras eleições livres.

Era um moderado, fez parte do Grupo dos Nove — a ala militar que impôs uma democracia ocidental à revolução em curso — enquanto temperava as euforias da ala mais radical de Jaime Neves que queria “tomar o Norte”. Foi essencial, como tantos e tantos outros de que cada vez nos lembramos menos, à criação da democracia. Chegou a ser sugerido, por duas vezes, para candidato a Presidente da República, mas isso não aconteceu. Foi o primeiro ocupante do então recém-criado cargo de provedor de Justiça e, depois, o primeiro encarregado do combate à corrupção, como responsável da Alta-Autoridade contra a Corrupção, criada em 1983.

Os historiadores serão cada vez mais precisos, porque a memória chamada “colectiva" é profundamente limitada. Nunca entenderemos bem este país se não conhecermos as duas coisas que formataram os tempos que correm: uma ditadura que durou 48 anos e uma revolução feita por militares, muitos deles com pouca consciência política, que em certos momentos funcionou ad hoc, ziguezagueou mas que foi capaz de cumprir o que tinha prometido no dia 25 de Abril. Devemos a Costa Braz uma quota-parte do que foi a incrível aventura da fundação do Estado democrático.

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